[Crónica] 30 anos de Carpe Diem. 20 anos de Associação Cultural Tirsense

CRÓNICAS/OPINIÃO Napoleão Ribeiro

No próximo dia 31 de agosto a Associação Cultural Tirsense (ACT) comemora vinte anos de existência, uma marca de relevo. Foi legalmente constituída no ano 2001 por várias pessoas interessadas em contribuir para uma melhoria do panorama cultural do concelho. Muitos desses primeiros sócios eram frequentadores assíduos do Carpe Diem bar, que funciona nas galerias subterrâneas do edifício Cidnai, no Largo Coronel Batista Coelho. De facto, desde a abertura deste estabelecimento, a 31 de dezembro de 1990, muito mudou ao nível cultural em Santo Tirso. Concertos, exposições e sessões de cinema alternativo realizados de forma espontânea, entre outros eventos, começaram a fazer parte da vida dos seus frequentadores. Numa primeira fase, por falta de espaço, os concertos realizavam-se noutro bar, o Sarau, sito nas Galerias São Bento. Posteriormente, a partir de 2001, com a abertura de um palco no Carpe Diem, os concertos tornaram-se possíveis no local. O seu proprietário, Zé Costa, em 1994 fundou a Banzé, uma agência de artistas e, mais tarde tornou-a também numa produtora de eventos e editora.  

Por norma, quando abordamos as dinâmicas culturais de uma localidade associamo-las às competências que as câmaras municipais possuem neste sector. Contudo, e tal como os políticos mais conhecedores bem sabem, no que à cultura diz respeito, a melhor programação surge das sinergias que unem as autarquias aos movimentos locais, tanto associativos como informais. Os jovens com interesses culturais e artísticos que têm frequentado este bar sempre formaram grupos espontâneos isentos de formalidades. Ainda hoje assim é. Numa fase inicial surgiram, sobretudo, do grupo de amigos que gravitava em torno dos Ecos da Cave, criados em Rebordões em 1987. Estes ganharam notoriedade nacional em 1988 com o tema “Desejo” no então célebre Rock Rendez Vous. Sendo um estabelecimento de espírito e carácter inclusivo, de portas abertas para com todos e para o Mundo, muitos outros se lhes juntaram, formando uma massa de gente peculiar, única nas noites de Santo Tirso e concelhos em redor, constituída por artistas, intelectuais, operários, boémios assim como por afeiçoados aos movimentos musicais mais “underground”das décadas de 90 e 2000 (como o metal, o grunge, o punk, o rap, etc.), entre muitos outros. Eram, maioritariamente, filhos de famílias de uma classe média que trabalhava nos serviços ou filhos de operários industriais. Pertenciam às primeiras gerações que, em Portugal, tiveram a oportunidade de estudar maciçamente para além da simples 4.ª classe. Localmente isto originou uma geração de jovens ávidos de criar circuitos socioculturais marginais, arredados do “mainstream” instituído, fenómeno que, até então, só era possível encontrar nas cidades do Porto e Lisboa.

“Foi no ambiente peculiar do Carpe Diem que nasceu a Associação Cultural Tirsense (ACT), tendo-se dedicado à divulgação, criação e interpretação das artes de palco, artes gráficas e literatura.”

Napoleão Ribeiro

Em Santo Tirso o fenómeno não era novo. O Clube Thyrsense, fundado em 1880, na charneira de 1900 teve uma atividade cultural bastante interessante. Contudo, ao contrário das gerações do Carpe Diem, à época, a minoria letrada formava uma elite que se diferenciava de todo o resto da população pelo seu acesso à educação. Infelizmente para o país, estas elites marcaram as vivências locais na maior parte do século XX. Não por culpa própria, mas antes pelo atraso sistémico com que, em especial, a ditadura condicionou os seus cidadãos, confinando-os à iliteracia funcional, quando comparados com a restante Europa.

Aliás, desde tempos imemoriais que as atividades culturais estão associadas a lugares de comensalidade, em especial nos ambientes mais urbanos. Desde o século XVIII que os botequins (hoje mais denominados como cafés) têm marcado indelevelmente os ambientes mais urbanos. As tabernas portuenses e lisboetas de cariz mais popular estavam intimamente ligadas à génese do fado, em especial o vadio, e os botequins às tertúlias de artes e literatura, de feição mais intelectual. Bocage frequentava o Nicola, Pessoa a Brasileira e a saudosa política e poetisa Natália Correia fundou o seu próprio botequim em 1968 juntamente com Helena Roseta, Isabel Meyrelles e Júlia Marenha, no qual realizavam amplas sessões de palavras em rima.

Foi no ambiente peculiar do Carpe Diem que nasceu a ACT, tendo-se dedicado à divulgação, criação e interpretação das artes de palco, artes gráficas e literatura. No seu histórico organizou cinco edições do Encontro de Banda Desenhada de Santo Tirso, possuiu o grupo de teatro “A Corte da Mula” e publicou dez números da revista “ACTO”. Atualmente, além de organizar o Palheta Bendita, que já vai na sua 15.ª edição, possui, a “Escola de Música Tradicional da Ponte Velha” onde são lecionadas, semanalmente, aulas de gaita-de-fole e sanfona. Fazem igualmente parte da ACT os grupos “Gaiteiros da Ponte Velha” e a “Chulada da Ponte Velha”. Além disso organiza regularmente concertos e outras atividades culturais.  Foi no seio do Carpe Diem que surgiu esta associação. Convém salientar que, cada vez mais, este bar é uma marca do carisma e da identidade do território onde vivemos dado o conjunto de memórias sociais e musicais que congrega. Esperemos que perpetue a sua atividade e que resista às especulações gentrificadoras que, num espaço de dez anos, tantas tabernas e cafés históricos têm destruído nas grandes cidades.

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