Há muita coisa a acontecer no mundo que precisa de um estudo e reflexão profunda. Irei fazê-lo nos próximos tempos. Mas permitam-me que vos fale de algo que aconteceu recentemente em Santo Tirso e que me provoca a maior repulsa.
Nas últimas publicações do município de Santo Tirso, consta o seguinte: “a Câmara Municipal de Santo Tirso entregou mais de 16 habitações a famílias do concelho (…). A cerimónia de entrega contou com a presença do presidente da Câmara Municipal, Alberto Costa, do presidente da Assembleia Municipal, Fernando Benjamim, do vereador da Habitação Municipal, José Pedro Machado, e dos presidentes das Juntas de Freguesia envolvidas.”
Não é o texto acima que mais me choca. Mas esta publicação veio acompanhada de bastantes fotografias. Fotografias essas de pessoas que receberam habitação pública, juntamente com o presidente da câmara, o presidente da assembleia municipal, o vereador (agora candidato à Junta de Freguesia de Santo Tirso, Couto e Burgães) e o presidente da junta de freguesia onde a casa de habitação pública está localizada.
O que me incomoda profundamente não é o ato de entregar habitação pública — isso, aliás, é um dever do Estado e das autarquias.
É o executivo vangloriar-se desta entrega, quando o que está a fazer é pouco. O que me incomoda, revolta e envergonha é que, além de incompetente, este executivo revela falta de vontade, ambição e conhecimento para resolver o problema da habitação em Santo Tirso. E ainda acha normal a espetacularização da necessidade humana. O que me incomoda é o presidente se estar a servir das pessoas que devia servir, usando-as no seu momento de maior fragilidade para promover a sua imagem. Devia ter vergonha. E espero que quem recuse ser fotografado nessa situação seja respeitado. Isso deve ser investigado com atenção. As pessoas fotografadas estão num momento vulnerável. Precisam de apoio, dignidade e respeito. Não precisam de ser exibidas nas redes sociais do município como troféus de uma política que, convenhamos, está longe de ser exemplar.
Mas podemos aproveitar este momento para olhar para o que têm sido as políticas de habitação deste executivo:
Santo Tirso não chega a 2 % de habitação pública. Para atingir os 5 % (meta mínima do programa nacional 1.º Direito), seriam necessárias pelo menos 714 novas habitações. Estão a entregar 16.
A Estratégia Local de Habitação ficou atrasada por mais de três anos. Foi elaborada tardiamente, apenas durante a última campanha autárquica, depois de sucessivas críticas pela sua ausência. Quando finalmente decidiram avançar com essa estratégia, o diagnóstico inicial apontava para apenas cinco — sim, C-I-N-C-O — famílias em situação real de carência habitacional. Mais tarde, tiveram de rever esse número, que atualmente está fixado em 607.
Mesmo assim, o plano municipal recentemente divulgado prevê apenas 100 novas habitações públicas (54 de novo projeto + 46 adquiridas), o que elevará a percentagem de habitação social de cerca de 1,68 % para apenas 2 % do parque habitacional total (longe do objetivo de 5%). Neste plano municipal não há qualquer referência à Estratégia Local de Habitação aprovada em 2021, nem ao Acordo de Colaboração com o IHRU, que previa resposta habitacional para 307 agregados familiares.
É tempo de repensar o modo como comunicamos as ações públicas. A dignidade não se posa para a câmara. A dignidade protege-se. E quem governa não deve servir-se das pessoas — deve servi-las. Se a política esquecer isso, não é política. É oportunismo.