[Editorial] Os Jogos Olímpicos e os outros jogos

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

1Os jogos olímpicos de Paris 2024 seguem sem descanso, depois de uma cerimónia de abertura debaixo de chuva torrencial que só quem esteve no local pôde sentir. A televisão permitiu ao comum dos mortais estar a salvo dos pingos da chuva, e apreciar, a seco e confortavelmente instalados no sofá, um espetáculo fabuloso. Concebido para mudar radicalmente a tradicional cerimónia de abertura dos jogos, foi um sucesso na opinião pública, apesar de algumas críticas à liberdade criativa demonstrada nalguns dos quadros apresentados.

Há uma enorme base de cultura clássica, francesa e europeia, que é imprescindível conhecer para interpretar a sucessão de referências a acontecimentos históricos e criações artísticas apresentada. Até parecia uma sabatina olímpica de questões sobre história, literatura e arte que se sucediam enquanto as delegações desfilavam no Sena. A dificuldade da “prova” explica a associação imediatista do quadro do “festim dos deuses” a um outro quadro muito mais conhecido (“a última ceia”, que alguns media amplificaram e esteve na origem de violentas críticas.

Sendo a promoção da paz, a integração e a união entre os países o objetivo principal dos Jogos Olímpicos, não admira que, mais uma vez, a canção “Imagine”, do antigo beatle John Lennon estivesse presente, agora tocada num piano em chamas e cantada numa lha vogando no Sena, representando o mundo instável e em guerra ansiando pela paz.

Os jogos estão lançados, venham as medalhas. 

2Os jogos de poder, desenvolvidos à volta de processos eleitorais mais ou menos estabilizados e com regras definidas, não dão tréguas aos eleitores envolvidos e aos órgãos de informação que os divulgam.

Tudo se passa como se o jogo, que tem regras definidas, não tivesse árbitros confiáveis. Ou pior, um jogo onde se espera, à partida, poder provar que só são sérios os resultados que não são desagradáveis. É o caso da Venezuela, onde o “fair play” não parece ser norma no jogo político e a ausência de transparência e validação dos processos de controlo compromete a credibilidade do resultado. O resultado anunciado parece talhado para garantir a continuidade do regime e só com a apresentação exaustiva dos resultados e atas das mesas de voto poderá tornar-se digno de crédito, tanto mais que as estatísticas das sondagens efetuadas não são compatíveis com os resultados anunciados oficialmente. Matemática não é só somar e subtrair.

Noutras paragens mais a norte, no mesmo continente americano, outro candidato a eleições próximas, já demonstrou noutra ocasião, grande desconfiança relativamente a resultados que lhe não são favoráveis. Que viesse agora prometer que não será necessário voltar de novo a votar daqui por quatro anos visto que “vai ficar tudo bem”, se votarem nele, é um acrescento ao perfil de um candidato nada confiável.

É a democracia que está em perigo, esclareceu Biden, ao justificar a sua desistência da corrida eleitoral. É o populismo a querer redefinir as regras do jogo para tomar conta do resultado. Recorda-nos os jogos de infância em que ser o dono da bola dava direito a privilégio: ou jogais como eu quero ou não se joga, que a bola é minha.

 Não há democracia se o processo eleitoral tiver dono.  

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