Estádio do Clube Desportivo das Aves recebeu torneio de walking football, dando aos atletas seniores avenses a oportunidade de cumprir o sonho de uma vida: envergar a camisola do clube do coração em pleno relvado. Entre orgulho e responsabilidade, dia terminou cem por cento vitorioso e até teve direito a saudação à claque na bancada.
Desde junho de 2023 que o símbolo do Clube Desportivo da Aves não subia ao relvado do Estádio. Daí que a expectativa e a ansiedade por aquela tarde de sábado fosse alta. O futebol do clube regressava ao local que tantas memórias criou ao longo dos anos. Mas não no formato tradicional. Há balizas, uma bola e joga-se com os pés. Só que as comparações ficam-se por aí. O walking football é futebol sem correrias.
A modalidade é uma variação recente especificamente pensada para pessoas com mais de 50 anos, promovendo a atividade física para a população sénior, um estilo de vida mais saudável e a igualdade de género, uma vez que junta em campo homens e mulheres em simultâneo.
No Desportivo das Aves está em funcionamento há poucos meses, e desde a sua génese que se tornou num sucesso de adesão por parte dos seniores da freguesia. E é fácil de perceber porquê. Numa vila apaixonada por futebol e pelo seu clube, esta é uma oportunidade única de representar o emblema do coração, vestir a camisola e usar o símbolo ao peito.
Pedro Pereira, presidente do Clube Desportivo das Aves, confirma este desígnio. Em conversa com o Entre Margens em pleno relvado, enquanto os seus atletas disputavam a última das três partidas da tarde, o dirigente avense mostra-se muito orgulhoso do impacto que a modalidade está a ter na vida daquelas pessoas.
“Apareceu muita gente. Gente que jogou no Aves há 30 ou 40 anos e agora retorna. Sócios do clube há mais tempo do que eu sou nascido. Trata-se de uma forma de olhar para estas pessoas e dar-lhes oportunidade de praticar desporto com o símbolo do clube”, explica.
Aquela soalheira tarde de inverno, foi como uma reunião de família. O Estádio abriu as portas e nas bancadas ouviam-se gritos de apoio e cachecóis do CD Aves agitados pelos companheiros da Universidade Sénior. E até a Força Avense apareceu para apoiar. No relvado, as camisolas listadas de vermelho cintilavam à luz do sol sob o olhar atento do icónico prof. Neca, presente a desempenhar funções institucionais. As condições estavam reunidas e as expectativas acabaram todas cumpridas.

Vitórias para abrilhantar o dia
A principal caraterística do walking football (futebol a passo, traduzido literalmente do inglês) é a impossibilidade de correr. Ou melhor, a corrida só é possível se o atleta mantiver sempre um pé no chão. Daí que se vejam os jogadores em campo a deslocarem-se numa espécie de marcha. A bola não pode subir acima da trave da baliza, colocada a um metro de altura. O contacto físico é desaconselhado. Pode-se disputar a bola, mas não há saltos, nem carrinhos. Cada jogador só pode dar três toques na bola. E os golos, só valem com remates dentro da área. Jogam encontros de 20 minutos, dez minutos em cada parte, com cinco elementos em campo, tendo obrigatoriamente que incluir uma mulher.
O principal objetivo da modalidade até pode ser a vertente lúdica e social, mas quando se apita para o início de uma partida, o espírito competitivo vem ao de cima. Ouvem-se jogadores a queixar-se da arbitragem. “Se eles podem correr, nós também podemos. O árbitro não vê”, barafustava um dos adversários do Aves logo no primeiro jogo.
Do lado avense, ninguém quis perder a oportunidade de jogar no Estádio com a camisola do clube. Isso significa que até atletas que não estavam a cem por cento se equiparam a rigor e, logo no aquecimento, registou-se uma baixa. Luís Araújo, mais conhecido por Capela, lesionou-se e teve de sair acompanhado pelos elementos da equipa técnica.
A prestação da equipa em campo esteve praticamente irrepreensível. O Desportivo das Aves venceu a equipa da AF Porto por 3-0 na primeira jornada e acabou por golear a junta de freguesia de Ramalde por 6-0 no encontro seguinte. Na partida mais disputada, frente ao Rio Tinto Masters, os avenses até entraram a perder no encontro, mas conseguiram dar a volta ao resultado e venceram por 3-2, carimbando uma tarde perfeita dentro das quatro linhas.
Para José Pedro Barbosa, treinador da equipa de walking football do CD Aves, o resultado só interessa até determinado ponto. O mais importante é chegar ao jogo e mostrar “aquilo que aprenderam durante a semana”, fazendo melhor do que no anterior.

Dia especial para o ADN avense
Ninguém conseguia esconder o quão especial era aquele dia, naquele local. A simbologia estava à frente de toda a gente, à flor da pele, daí que aqueles que estiveram no relvado do Estádio se tenham deixado abraçar pelo manto de nostalgia e sentimento. Afinal, para a maioria deles, são décadas de amor ao clube.
Mesmo para quem não se sentia nervoso, como revelou Armindo Ribeiro, era difícil não sentir o significado do momento. O “orgulho em vestir a camisola” sentia-se no ar. Mesmo para aqueles que não puderam dar o seu contributo dentro de campo. Por questões de saúde, Armando Duarte, 84 anos, ficou apenas a apoiar da linha lateral, mas mesmo assim não perdeu a oportunidade de vestir o equipamento.
“Há sempre um formigueirozinho porque esta camisola é pesada. O respeito que o clube nos merece é muito grande”, sublinhou em conversa com o Entre Margens. “Não sou daqui, vim do Porto para cá profissionalmente e fiquei encantado com a malta das Aves.”
Quando em meados do ano passado, o clube lançou a modalidade, confiou a gestão da secção a um homem da casa, cujo ADN avense e a sua dedicação ao clube, nas suas mais variadas vertentes, está acima de qualquer prova.
Fernando Barros, dirigiu durante anos o departamento de futsal, sendo que mais recentemente este no terreno com o renascimento do futebol de onze nas distritais. Agora, quando recebeu o convite do presidente para liderar o walking football não precisou de pensar muito.
“Sou avense. Esta casa diz-me muito”, realça. “Hoje, mais do que nunca, posso dizer que tomei uma opção correta. Esta malta que está aqui comigo é como uma família. A prova mais evidente que toda a gente se sente bem e que o trabalho está a ser bem feito foi vermos tanta gente equipada à Aves. Isto é o Aves. O Clube Desportivo das Aves.”
O espírito avense está bem patente também na liderança da equipa técnica. José Pedro Barbosa é mestre em desporto, frequenta o doutoramento na área, mas quando surgiu a proposta para comandar o walking football teve de mergulhar numa modalidade que desconhecia. “Aprender para poder ensinar”, confessa.
Agora, no fim do encontro, enquanto os seus atletas recebiam as saudações da claque, serenados pelos cânticos eternizados na curva do Estádio, admite que não chorou por mero acaso. “Deles”, os seus atletas, revela, não sentiu “nervosismo”. Da sua parte a história é outra. “Senti imenso. Fico muito orgulhoso por poder estar a ter esta experiência hoje e daquilo que fizemos dentro de campo”.

Uma família coesa
Um dos pontos de partida para a divulgação da modalidade foi a Universidade Sénior de Vila das Aves (USVA). É de lá que provém a maioria dos atletas de walking football. Joaquina Sampaio recorda o momento em que o presidente do clube foi à Escola de Cense, sede da USVA, apresentar a ideia. Aderiram mesmo sem saber muito ao que estavam a aceder. Só no primeiro encontro com o treinador perceberam a aventura onde iam embarcar.
“Embora, com esta idade não seja fácil, comecei a perceber que isto podia ser engraçado”, lembra a agora atleta do CD Aves. “Ao fim do primeiro treino fiquei logo a gostar. Pensei, quanto mais não seja, fazemos um bocadinho de ginástica. Com a ajuda do treinador achei-me capaz de continuar”.
A diferença de experiência na prática de futebol entre homens e mulheres foi um dos principais pontos a limar com o processo de treino. Embora existam mulheres na equipa que tiveram, em jovens, contacto com o futebol nas equipas das empresas têxteis da região, a maioria nunca tinha jogado futebol na vida. Era o caso de Joaquina Sampaio, cuja única memória relativa ao futebol era ter ido à baliza, com 7 ou 8 anos, num jogo com rapazes, na sua aldeia. À época era visto quase como “escândalo”.
Este foi um dos grandes desafios para o treinador. Se alguns dos homens tinham experiência de jogo organizado, até enquanto jogadores do Aves, cabia-lhe agora a tarefa de formar as senhoras para que a equipa conseguisse um nível homogéneo. O trabalho funcionou.
“Estou muto contente com o trabalho que fiz com elas”, garante José Pedro Barbosa. “Elas conseguem já receber uma bola, passar uma bola, perceber onde é que têm de estar no campo, comunicar com os colegas e jogar em equipa”.
Desde que haja vontade e trabalho, tudo é possível. E nesta equipa não falta força de vontade. O técnico dá o exemplo de um senhor de 94 anos que se desloca a pé de Cense até ao pavilhão para os treinos, duas vezes por semana. No fundo, o mais importante é criar estes laços para garantir que o grupo se mantém unido.
O resultado é a criação de uma “verdadeira família” que tem “pernas para andar”. No walking football não se corre, mas a julgar pelo efeito dos primeiros meses de atividade, o salto já foi dado.
O torneio de walking football é organizado pela Associação de Futebol do Porto (AFP) e contou, em Vila das Aves, com o apoio da junta de freguesia local e da Câmara Municipal de Santo Tirso.