Os Santos Populares estão de volta e em força. (mas por quanto tempo mais?)

ATUALIDADE DESTAQUE

Dois anos de ausência das tradicionais festividades de abertura verão trouxeram entusiasmo exponencial para a rua. O presente está garantido, mas com comissões de festas envelhecidas e cada vez menos participadas, o futuro dos Santos caminha trilhos inseguros.

Finalmente, o verão volta a ser verão. Após dois anos de ausência pandémica, o cheiro a sardinha e a manjerico regressou às ruas pintadas de entusiasmo estival que se estende noite dentro. Os Santos Populares estão de volta. E em força. Sente-se a vontade das pessoas em voltar aos bailaricos de música popular, mas sobretudo ter uma experiência coletiva.

Em véspera do fim de semana de São João, também em Vila das Aves os preparativos para três dias de festa começam a chegar às ruas. O São João das Fontainhas é uma das mais tradicionais celebrações da freguesia e uma das que mais impacto cria na comunidade avense.

A edição de 2022, que está a ser preparada e tem ficado em banho-maria desde 2019, tem como protagonista principal o concerto de Rosinha, que animará a noite de sábado, dia 25 de junho, a partir das 22 horas. Um programa que abre na sexta-feira, dia 24, com o arraial sanjoanino, a eucaristia celebrada em frente à capela e a atuação do grupo “Oceanos”. No domingo, dia 26, a tarde ficará à responsabilidade do folclore e cantares ao desafio que antecede o encerramento com o concerto dos Toka & Dança e a tradicional sessão de fogo de artifício às 24 horas.

Um programa do qual não constam marchas populares, não por opção da comissão que, em conversa com o Entre Margens, explica que “não foi possível contratar marchas, fosse em Famalicão, fosse na Póvoa” porque os convites que foram feitos foram recusados.

“O que me deixa mais pena este ano é não ter são as marchas. Era a coisa mais bonita, mais tradicional e o que juntava mais gente”, lamenta Manuel Silva, tesoureiro da Comissão de Festas de São João das Fontainhas.

Mesmo assim, o entusiasmo não falta. Ao fim de três anos, a praceta das Fontainhas vai voltar a receber o São João e a Comissão quer ver ‘casa cheia’ como recompensa de um processo demasiado longo e sinuoso para que possa ser sustentável.

Travessia no deserto

Montar uma festa anual com uma envergadura destas, é tudo menos simples ou fácil. E estes dois anos de ausência não facilitaram o processo, bem pelo contrário. Como é habitual, mal terminaram as festividades de 2019, foi contratada a artista principal, neste caso a Rosinha, e o asseamento. A pandemia congelou todo o processo e em 2020 pouco se fez, tirando um ou outro passeio de autocarro e o sorteio de Reis para angariação de fundos. Em 2021, ainda houve um breve vislumbre de possibilidade de realização do São João, hipóteses esses que não passaram disso mesmo. Foi realizada apenas a eucaristia junto da capela e, mesmo assim, foi muito complicado de conseguir autorização.

Este ano, com o regresso à normalidade, a festa voltou aos trâmites habituais, no entanto ficaram mais evidente do que nunca as fragilidades deste tipo de comissões de festa. Para além das excursões de autocarro, dos sorteios e outras atividades de angariação de fundos, as principais fontes de receita são a publicidade e o peditório. Duas atividades que exigem recursos humanos que percorram a vila e batam às portas do comércio e dos residentes.

“Este ano fizemos o peditório com muitas dificuldades”, admitiu Manuel Silva. “Muitas dificuldades porque não havia ninguém que queira ir pedir. Esta é uma das nossas maiores dificuldades. Nestes últimos dois anos as pessoas desinteressaram-se. Estavam habituadas sempre a fazer aquilo certinho e agora, perdeu-se”.

A Comissão é hoje composta por seis pessoas, onde a idade avançada é fator comum e os problemas de saúde dificultam a gestão do dia a dia, sobretudo nesta fase final em vésperas da festa, que obriga a uma sprint final para ter tudo pronto.

“Este ano tivemos mesmo muito, muito trabalho. Foi muito cansativo. As pessoas estão cansadas. Nenhum de nós quer sair e deixar, mas precisávamos de arranjar mais uma equipa forte de cinco ou seis pessoas para nos ajudar”, refere Manuel Silva.

O verso da medalha, ou seja, a falta de participação e ajuda da comunidade, exponencia as dificuldades sentidas.

“A festa de São João pode ser das Fontainhas, mas é para todos”, sublinha o tesoureiro da Comissão. “É uma das festas mais tradicionais da vila, mas agora as pessoas não querem saber. Ninguém dá dinheiro. Temos sítios em que até é vergonhoso. Aqui nesta praça, por exemplo. É o pior sítio em termos de peditório. Muitos não abrem. Os que abrem, não dão. Dizem que as festas deviam acabar, mas no dia está toda a gente à varanda a ver as festas.”

“Não queremos que a festa acabe”

Esta é a receita de uma festa que a seguir este rumo pode não ter muitos mais anos pela frente. Em 2018, esteve perto de não acontecer até que a dois meses da data da festa, Rosa Freitas, zeladora da capela de São João, decidiu que a festa ia mesmo para a frente. Juntou as pessoas que ainda hoje fazem parte da comissão e, sem dinheiro, meteu os pés ao caminho e conseguiu que o São João das Fontainhas não acabasse.

“Seria uma pena deixar as festas morrer”, lamenta Rosa Freitas. É uma questão de identidade das terras, símbolo do esforço das comunidades em fazer algo pelo bem comum e a festa de São João das Fontainhas sempre teve um papel muito relevante nessa vertente. Se as festas morrerem, é um pedaço da vila que se perde.

O otimismo em relação ao presente, mais concretamente às festas deste ano, não se estende ao futuro, porque para Manuel Silva, “já não há volta a dar”: “estas festas pequenas têm tendência a acabar”.

“As festas grandes são organizadas pelas câmaras e aí não há problema, porque não é preciso andar a pedir. Vá muita ou pouca gente, as festas não acabam. Já as festas de aldeia ou se fazem com algo muito pequeno, com a missa e um palcozito, só num dia, ou acabam. Fazer umas festas desta envergadura, já não vai ser fácil”.

O apelo que a comissão de festas deixa é que surja gente que viesse ajudar a pegar nas festas. “Nem precisa de ser para pegar nas festas sozinhos. Mas ajudar. Não queremos é que acabassem”, sublinha. “Isso para mim é uma tristeza”.

A resposta pode passar por fazer uma festa mais pequena, mas para Manuel Silva, o dever da comissão deve ser “com o pouco que se tem, fazer o máximo possível”. E este ano, com a ajuda do comércio, não há problema algum para se fazer as festas. “O problema será depois. Se não houver ninguém que queira pegar, faz-se a missinha e ficamos por aí”, remata.

O exemplo da Comissão de Festas de São João das Fontainhas é transversal um pouco a todo o território. E se este ano, na euforia pós-pandémica, os Santos Populares parecem regressar ao fulgor do passado, o futuro parece trilhar por caminhos inseguros.

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