[Editorial] Uma questão de confiança

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

Para muitos, o presidente eleito dos Estados Unidos da América é aquele tipo de pessoa a quem não compraria um carro usado. A falta de confiança que a sua imprevisibilidade no discurso e na ação transmite a quem nele atenta é suficiente para pôr em dúvida a possibilidade de uma transação com um mínimo de decência. E as suas afirmações sobre a hipótese de “retomar” o controle do canal do Panamá, sobre o Canadá (que tende a considerar como mais um estado americano) ou sobre a Groenlândia, que admite anexar, são, no mínimo, premonitórias de eventuais ameaças à estabilidade mundial.

Não terá sido assim que tudo começou, com Putin, em relação à Ucrânia? A ideia base da política deste autocrata é retomar a grandeza do império da antiga Rússia. Tornar a América outra vez grande é o slogan de Trump…  Quanta semelhança.

Acresce que Trump arrasta consigo para posto de destaque na administração americana um tal Elon Musk, tido como o homem mais rico do mundo, que parece apostado em influenciar os processos eleitorais em países estrangeiros.

Ou será que é Trump que é arrastado por Musk, numa estratégia de domínio da economia global, beneficiando este? A intenção de Trump de taxar as importações da Europa e da China, pode ter consequências imprevisíveis.

De momento, prepara-se, a tomada de posse de Donald Trump como 47º presidente dos Estados Unidos da América, no dia 20 deste mês. A transição vai seguramente contrastar com o que se passou há quatro anos, quando Trump fez o que pôde (mas que não devia) para contestar os resultados. Quem sai, desta vez, sai com democrática decência.

Na Europa e na América, a democracia irá perdurar como forma de governo? Muito embora seja “a pior forma de governo se excluirmos todas as outras alguma vez tentadas”, não iremos enfrentar tentações autocráticas resultantes da formação de blocos antagónicos mutuamente exclusivos e dispostos a aceitar o confronto como solução?

Foi com eleições que Putin consolidou a sua carreira política e com “eleições” se tem mantido. Manobrando a seu favor, a legislação e a própria constituição, para se manter no poder. E nem o esforço de guerra e os seus traumas têm dado origem a contestação bastante para o abalar. Refazer o império será a ilusão que justifica o apoio ao presidente?

Há um enorme risco de que o modelo MAGA (make america great again, i.e., tornar e a América outra vez grande) produza efeitos semelhantes na democracia americana. Há razões, muitas razões, para pensar que o planeta Terra não será jamais um sítio seguro.

Acrescentando ao ideário de grandeza o desprezo assumido pelas questões ambientais, pelas vacinas e pela organização mundial de saúde, pela ONU e tantas coisas mais, temos cada vez mais dificuldades em aceitar que “as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança”, como escreveu o poeta.

Thiago de Mello, no mesmo poema, decretou: “O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino”. Assim fosse.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

17 + fifteen =