Em 6 de maio de 2021, o jornalista do Entre Margens, Paulo Silva, realizou uma interessante reportagem sobre diversas árvores, do concelho de Santo Tirso, classificadas como de Interesse Público: a japoneira do cemitério da Agrela; um dos carvalhos do Carvalhal de Valinhas, em Monte Córdova; um carvalho alvarinho sito no Largo da Carvalheira, em Guimarei; os plátanos da Alameda da Ponte, em Santo Tirso; e os plátanos do Largo da Turbina, em São Miguel do Couto. De facto, uma consciencialização sobre a preservação das árvores é fulcral para a preservação do meio ambiente, dado que estas são um dos maiores legados do mundo natural.
Classificar e salvaguardar árvores respeitáveis é, sem dúvida, pedagógico, dado que é uma forma das populações reconhecerem a sua importância. Contudo, e a título de exemplo, ainda são permitidos abates de grandes carvalheiras, verdadeiros monumentos vivos que vão, cada vez mais, desaparecendo desta e de outras regiões… Infelizmente, nas áreas em que habitamos, os cidadãos estão distanciados do seu património arbóreo, seja ele o das árvores ornamentais e de frutos assim como das dos bosques. Vivemos num território cada vez mais pobre, feio e destituído de lugares aprazíveis para uma vida saudável em consonância com a natureza, já que a grande parte desse património arbóreo desapareceu das nossas florestas para dar lugar a inúmeros eucaliptais. As bouças de há 40/50 anos ainda eram biodiversas e continham uma mescla de carvalhos, sobreiros, pinheiros e eucaliptos. Hoje, os terrenos dessas bouças dão, cada vez mais, lugar a monoculturas extensas de eucaliptos, de biodiversidade pobre, resultado de uma floresta totalmente industrializada. Os raros lugares que ainda se conservam, são exceções que deveriam ser a regra e não passam de bolhas naturais sobrelotadas de visitantes.
Por outro lado, o património arbóreo das nossas áreas públicas, não raras vezes, ainda é administrado de forma amadora, por pessoas que não possuem qualquer conhecimento técnico ou consciência ambiental. É frequente verificar podas excessivas e abates de árvores realizados de ânimo leve.
Na reportagem atrás citada, e tal como referem o autor e uma técnica da câmara municipal, pelo concelho de Santo Tirso, outros casos existem que mereciam esta classificação e reconhecimento público. Um deles é, sem dúvida, o da laranjeira do adro da antiga igreja de São Miguel da Lama. O leitor mais curioso, se contornar este templo, nas suas traseiras, deparar-se-á com esta velha e cansada árvore, encostada à parede, num local estreito e pouco solarengo, ao lado de uma também velha oliveira que se encontra junto ao portão do terreno do antigo passal. O porte do seu tronco, para uma laranjeira, é bastante considerável. Porém, encontra-se destituído de cerne, sobrevivendo só com o alburno. Trata-se, muito provavelmente, de uma laranjeira azeda, Citrus Aurantium, diferente da laranjeira doce, Citrus Sinensis, que consumimos com regularidade. Oriunda da China, esta variedade azeda é conhecida no Ocidente, pelo menos, desde o período romano. Já a variedade doce foi disseminada pela Europa, África e América, inclusive para outras regiões asiáticas, pelos portugueses, logo após a sua chegada à China, no século XVI, de onde a trouxeram. Ainda hoje, em muitos países, o termo “laranja” tem o nome do nosso país: em romeno, é “portocáliu”; em grego, “portokáli”; em turco, “portokal”; em persa, “portegal”; e em árabe, “bortugal” ou “burtuqálum”.
Jaime de Sampaio (1901-1958), em setembro de 1956, dedicou um interessante artigo sobre esta árvore, publicado no Boletim Cultural “O Concelho de Santo Tirso”[1], abordando as recordações da sua infância, em que os anciãos locais, à sua volta, cheiravam rapé e relembravam, por exemplo, feitos da vida militar dos tempos da Maria da Fonte. No mesmo, o autor lamacense salienta a antiguidade da laranjeira, recordando que, à data da redação do seu texto –1956- verificou, através de informações orais, que a mesma existia, pelo menos, há 190 anos. Jaime Sampaio aponta-nos uma nota muito interessante: que no Tombo da Paróquia, no Título do Assento da dita Igreja de S. Miguel da Lama, realizado em 18 de setembro de 1556, consta que após a “relação do passal com suas lojas de arrecadação de lagares, de gados e de apeirias[2]” existia mais uma “latadinha[3] com enxido[4] e com hua laranjeira…”. A acreditar que a laranjeira desta documentação é a que ainda hoje se encontra no local, estaríamos a falar de mais de quatro séculos e meio de idade, o que não é caso único. Sendo ou não sendo, não deixa de ser um monumento notável e motivo de regozijo de todos nós. Esperamos que não venha a ser abatida de ânimo leve…
[1] Sampayo, Jayme de – “A Laranjeira do Adro de S. Miguel da Lama”. In “O Concelho de Santo Tirso. Boletim Cultural”. Vol. V – N.º1. Santo Tirso: Câmara Municipal de Santo Tirso, 1956. P. 51-53.
[2] Alfaias agrícolas.
[3] Pequena cerca ou ramada.
[4] Ramada de vides ou pomar.