[Crónica] O mundo todo cabe no Parque de Geão

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

É possível um festival de música ser ao mesmo tempo local, nacional e de todo o mundo? Por paradoxal que pareça tal combinação, o “Palheta Bendita”, prova novamente que esta é possível.

Trata-se dum festival tirsense na sua raiz. Resulta de uma manifestação do associativismo local, que parte da Associação Cultural Tirsense e envolve a Câmara Municipal, os Amigos do Sanguinhedo, e a música tradicional que aí se faz por via da Escola de Música tradicional da Ponte Velha. Mas uma vez reunidos todos os ingredientes para um aparente arraial popular, subitamente o resto do mundo irrompe adentro o Parque de Geão, que acolhe o festival pela segunda vez neste formato primaveril, numa harmonia ótima e natural entre bairrismo e cosmopolitismo.

Existem muitos festivais de músicas do mundo, certamente ainda mais festas populares. Não estou é tão certo que exista outro, como o “Palheta Bendita”, que seja simultaneamente as duas coisas, não como dois corpos estranhos, mas como uma perfeita simbiose. Há um ano elogiei o “Palheta”, tecendo um certo paralelismo com outros festivais de músicas, dos quais gosto muito, como o Mimo, de regresso a Amarante, ou o Festival de Músicas do Mundo de Sines. Há uma diferença fundamental do primeiro para estes últimos, sem desprimor para nenhum deles. Como indiquei, o “Palheta” tem na sua génese um elemento de arraial popular, de bairro, que se abre ao mundo. Procura reunir o mundo ao convidá-lo para “nossa” casa. É uma celebração do acolhimento.

Da ponte velha ao resto do país, da Galiza à Itália, passando pela Eslováquia, pela Tunísia e por Marrocos, o mundo cabe todo na antiga Quinta de Geão, agora parque.

É difícil não ver neste fenómeno, que ocorreu entre os dias 14 a 16 de junho, uma metáfora política.

Todos viemos de um sítio, onde provavelmente estamos enraizados e indelevelmente vinculados. Não há mal em termos orgulho na nossa raiz cultural, o mal está na veleidade de fechá-la numa fortaleza relativamente a todas as outras. E essa é uma das maiores ameaças deste tempo.

 A nossa mundividência enriquece com a porosidade. Quando a abrimos a outras mundividências, num intercambio recíproco, até ao ponto das fronteiras culturais se tornarem indiscerníveis. Do lado de lá de todas as fortalezas artificiais estão corpos que se comovem com as mesmas coisas, e se mexem com os mesmos sons.

Neste fim de semana também dancei, dei muitos abraços e sorri muito.

Entrei na semana a dever horas à cama, mas valeu a pena.

Obrigado à organização deste lindo festival!

Até para o ano!

Entretanto espero que mais atividades possam ocorrer no parque de Geão.

Parece-me o local indicado para, por exemplo, uma feira do Livro. Fica a sugestão.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

20 − twenty =