[Opinião] Cinco notas sobre as eleições

Ana Isabel Silva CRÓNICAS/OPINIÃO

1Nas últimas eleições legislativas de 2024, foi inegável a viragem à direita que deu maioria, na Assembleia da República, à Aliança Democrática (AD), Iniciativa Liberal e Chega. No entanto, a AD não alcançou seu objetivo de obter maioria sozinha, sem depender da extrema-direita. Seguindo uma tendência internacional, observada em países como Itália, Argentina, entre outros, a extrema-direita registou um significativo aumento de votos, ficando em posição de influenciar a governação. Essa mudança à direita não se limitou apenas às urnas. Houve uma influência marcante no discurso político, com a ascensão da retórica do ódio. Dois exemplos ilustram isso: o aumento da influência da extrema-direita radicalizou a chamada direita democrática, incluindo o PSD, levando-os a adotar uma postura mais radical em relação à imigração, como apenas um exemplo. Por outro lado, também intensificou o discurso contra os menos favorecidos, os pobres, os imigrantes e os diferentes. Isso foi evidente na votação e no discurso político no Algarve, uma região frequentemente negligenciada pelo poder político, marcada pela precariedade, trabalho sazonal e desigualdade.

2O Partido Socialista (PS) e sua governação de maioria absoluta nos últimos anos foram responsáveis por esta viragem à direita. É inegável que suas políticas não responderam às necessidades das pessoas. Preocupados em garantir um excedente orçamental, o PS negligenciou o investimento em áreas como o trabalho, os serviços públicos e o desenvolvimento do país. A estratégia adotada pelo PS para garantir essa maioria absoluta foi alimentar o medo do Chega. Embora temporariamente eficaz para garantir a maioria do PS, essa estratégia prejudicou a democracia e as instituições. A esquerda, injustamente associada ao PS, saiu derrotada nestas eleições. A CDU perdeu metade de sua bancada parlamentar, o Bloco resistiu e aumentou sua votação, mantendo sua bancada, e o Livre foi o partido à esquerda que mais cresceu, quadruplicando sua representação parlamentar.

3Existe uma teoria que tem sido difundida sobre os “3 blocos”. A ideia de que atualmente existem três blocos formados pela extrema-direita, pela direita e pela esquerda. Isso é falso. A direita dita democrática radicalizou-se e continuará a fazê-lo, não hesitando em aliar-se à extrema-direita. Um exemplo claro disso foi a aprovação, pelo PSD, da eleição de Diogo Pacheco de Amorim, do Chega, para vice-presidente da Assembleia da República. Pacheco de Amorim esteve ligado à organização terrorista de direita MDLP, que causou vítimas, como Rosinda Teixeira, em Santo Tirso. Portanto, a AD e o Chega formam seu próprio bloco. Colocar o PS e o restante da esquerda no mesmo bloco é um equívoco. O PS governou sozinho nos últimos anos e não respondeu às necessidades do país. Agora, cabe à esquerda mostrar-se como alternativa, solução e esperança para um país diferente.

4A forma de fazer política mudou. A política feita nas redes sociais será predominante daqui para frente. Os algoritmos favorecem a extrema-direita e iremos assistir a uma proliferação de “fake news”, como já observado em outros países. Será importante percebermos como respondemos a isto.

5Em breve, teremos as eleições para o Parlamento Europeu. Será uma eleição importante para discutir que tipo de União Europeia (UE) queremos para enfrentar as crises que enfrentamos, como a habitação, a paz, a imigração, o emprego e o clima. Será também uma oportunidade para criticar uma UE que foi responsável por muitas dessas crises e que atualmente não tem capacidade para resolvê-las. Esperemos que o debate se centre nisso e não na disseminação de um discurso do ódio e de isolamento.

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