[Opinião] ASAE supermercado a dentro

Ana Isabel Silva CRÓNICAS/OPINIÃO

Temos todos assistido a um aumento de preços que se revelaram brutais para os orçamentos de muitas famílias. Enquanto o mantra da lei da oferta e da procura pode ser verdade nalguns setores, em que um aumento de preço pode levar a uma diminuição da procura e consequentemente do negócio, há um setor onde isto não é verdade. O setor da alimentação. Mesmo com alguma capacidade de redução ou margem de manobra para alterar algumas escolhas, é um bem essencial a que todos somos obrigados a recorrer. Assim, um aumento de preços, claramente especulativos, neste setor associado a um estagnamento dos salários esmaga os orçamentos das famílias e coloca milhares na pobreza.

Ainda no final de 2022 foi votado no parlamento uma proposta para taxar os lucros excessivos. Uma lei que se aplicava aos setores da energia e da alimentação. Antes do governo apoiar esta proposta já muitos partidos tinham chamado a atenção para a necessidade de aplicação desta taxa. Mas ainda mais importante do que isso seria o controlo dos preços. Algo que o governo decidiu nunca fazer.

Quando já todos tinham percebido que estavam a ser assaltados à custa de um aumento extraordinário no lucro de alguns, eis que a ASAE é mandada supermercados adentro para dizer o que todos nós sabíamos: os preços são especulativos! Mesmo assim o governo recusa-se a tabelar os preços. Uma medida essencial que já mostrou a sua eficácia em vários momentos. Por exemplo, no setor da energia onde a introdução do setor regulado foi bem-sucedido. Na pandemia, apenas a intervenção do governo no controlo dos preços impediu uma escalada ainda maior dos valores do material de proteção. E mais exemplos existem. O governo tem decido fazer muito pouco, tudo muito tarde, para no final nada ser feito.

Mas não podemos dizer que estamos em crise. Porque na verdade não estamos todos a perder. A esmagadora maioria perde, sim. Já são mais de 300 famílias as que vivem na pobreza. E a chamada classe média está-se a ver incapaz de fazer face a despesas essenciais como alimentação e habitação. Mas muitos perdem para apenas alguns ganharem. A empresa Sonae registou um lucro consolidado de 143 milhões de euros em 2022, mais 19% do que em 2021. Já em 2021, a CEO da Sonae aumentou a sua remuneração de 1,2 para 1,6 milhões de euros por ano, ganhando em cada mês o que cada trabalhador demora nove anos a ganhar. Já o presidente da Jerónimo Martins, ganha 12 milhões de euros por mês. Quanto tempo demorará um trabalhador a levar este valor para casa? De quantas vidas precisará?

Os donos das cadeias de alimentação ameaçam agora que tabelar preços pode significar prateleiras vazias. À chantagem já estamos habituados, à inação do governo também. Mas esta chantagem e o momento em que vivemos não nos levará a repensar o modelo de distribuição que temos? Com certeza está na altura de falarmos de modelos de distribuição mais sustentáveis, mais justos e no final mais baratos. Ou fazemos isso ou ficaremos sempre com medo da chantagem de quem tudo pode.

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