[Crónica] Irrealista

Ana Isabel Silva CRÓNICAS/OPINIÃO

A Constituição Portuguesa reconhece de forma inequívoca o direito à habitação como um direito fundamental dos cidadãos e estabelece a responsabilidade do Estado em promover políticas que garantam o acesso a habitações adequadas, bem como a proteção do ambiente urbano e o combate à especulação imobiliária. O artigo 65º estabelece que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Reconhece ainda a necessidade de promover políticas que visem a efetivação deste direito, com o artigo 81º a determinar que o Estado deve estabelecer uma política de habitação que promova a construção de habitações a preços acessíveis e que combata a especulação imobiliária. Também reconhece o direito à habitação como parte integrante do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.

É lamentável constatar que, apesar destas disposições constitucionais claras, a questão da habitação e sua acessibilidade a todas as camadas da população não recebeu a devida atenção e intervenção do Estado central e local nas últimas décadas. O resultado é uma situação calamitosa em que muitos cidadãos, mesmo com salários acima da média nacional, não conseguem arcar com o custo da habitação. A crise habitacional não afeta apenas os jovens, mas também tem implicações mais amplas, como a falta de profissionais, incluindo professores, médicos e enfermeiros, em cidades onde viver torna-se inacessível para quem ali trabalha.

Recentemente, na Assembleia Municipal, discutiu-se a proposta do executivo para a aquisição de setenta e cinco habitações no âmbito do programa 1º Direito, iniciativa que é um passo na direção certa. O município de Santo Tirso adotou uma Estratégia Local de Habitação (ELH) em 2021, que visava atender a 307 agregados familiares que viviam em situações precárias. Mais de seis anos após a aprovação da lei do 1º Direito, é inaceitável o atraso na implementação das soluções escolhidas. A reconversão de antigas casas para magistrados e a construção de novos fogos deveriam estar mais avançadas em 2023.

A lei estabeleceu a meta de aumentar o parque habitacional público de 2% para 5% a nível nacional, o que representa um acréscimo significativo. Infelizmente, o Executivo municipal de Santo Tirso está aquém. Com apenas 520 fogos sociais existentes, representando 1,68% do total de alojamentos em Santo Tirso, a ELH propôs aumentar para 619 esse número no concelho, o que ainda está distante da meta nacional. A aquisição das 75 casas propostas ajudaria, mas ainda não seria suficiente. O executivo tirsense precisa fazer mais para reforçar a habitação pública, evitando que os residentes e trabalhadores dependam da especulação imobiliária privada. É de extrema importância a aquisição de mais habitações municipais, mas também é necessária uma atualização da ELH, aumentando a oferta pública de alojamentos para pelo menos 5% do parque habitacional, o que equivale a 1.500 fogos sociais.

Deixo também um apelo ao executivo: o terreno que está neste momento a ser reabilitado na Rua Doutor Carneiro Pacheco que servirá como parque de estacionamento provisório durante as obras no espaço da feira pode desempenhar um papel crucial na resolução do problema habitacional. Após cumprir seu objetivo atual, a Câmara deve considerar a construção de casas municipais nesse espaço.

Garantir que o próximo orçamento para 2024 responde a todas estas necessidades é o que esperamos, infelizmente nada no executivo atual nos indica nesse sentido.

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