Delães, tal como Vila das Aves, Riba de Ave, Oliveira de São Mateus, Rebordões e Bairro, é uma das freguesias que constitui um dos núcleos fabris mais importantes da têxtil do Vale do Ave. Dado o impacto que a industrialização teve nestes locais, geralmente desassociamos este território de tradições importantes para a cultura popular. No entanto, em Delães, um núcleo considerável de tocadores de gaitas-de-fole, clarinetes, caixas e bombos tem dado sequência a uma das práticas musicais mais singular do país: as charangas de zés pereiras. Entre edifícios, em perpianho granítico, das ilhas e bairros operários, das antigas instalações do Sindicato Têxtil e de fábricas como as Sedas Íbis, a Fiação de Tecidos ou a Sacramento Têxteis, entre outros, continua a ouvir-se um som que, por norma, associamos mais à pastorícia e às zonas rurais do país.
Além de Delães, nos territórios das margens do Ave, especialmente nas freguesias compreendidas entre Guimarães e Riba de Ave, existem vários costumes que usam grupos de tamborileiros informais. Na sua essência, não diferem muito das celebrações transmontanas associadas ao solstício de inverno e às comemorações da Natividade. Tudo começa com os estrondos de caixas e bombos da festa do Pinheiro e que dispensam aqui apresentações. Depois, as novenas das Festas ao Menino que ainda se realizam amiúde por algumas paróquias como por exemplo Mascotelos e Santiago de Candoso. Liturgicamente acompanham os nove dias das “Antífonas do Ó” ou “Missas do Parto”. Neste período do ano surgem grupos informais de tocadores de caixa e bombo que se reúnem para tocar até à igreja, celebrando a Natividade. Em São Martinho de Candoso o costume acabou mais ou menos em 1980. Tudo começava nove dias antes do Natal, a 17 de dezembro, e terminava com o Beijar do Menino, a 25 de dezembro. Diariamente, um tamborileiro, às 5h ou 5h30m, tocava caixa na rua, dando o sinal para as novenas. Além deste, outro tocador, num lugar mais cimeiro, tocava o bombo. Ambos acordavam a população com uma alvorada, sinalizando os fregueses para que se juntassem a eles e, em grupo, à frente dos tambores, se dirigissem à igreja para rezar as ditas novenas ao Menino, às 6h da manhã. A celebração litúrgica só iniciava quando os tambores chegavam ao edifício religioso. Terminada a cerimónia, tocava o sino e, no fim, saíam os tambores novamente com as pessoas até ao local onde o percurso iniciara. À noite repetia-se todo o processo para rezar o terço. Do Natal em diante, cantavam-se os reis com tambores e as tabernas disponibilizavam caixas e bombos para que os homens tocassem e cantassem em grupo.
No ponto mais alto de Riba de Ave, na noite de consoada, depois da meia-noite, os rapazes solteiros, mordomos da festa de São Roque, tocam caixa e bombo até ao raiar do dia. Aqui, a data do santo protetor das pestes tem data peculiar, o 25 de dezembro, diferente de todas as outras localidades, onde se festeja a 16 de agosto. Findo o forrobodó da noite natalícia, os mordomos seguem para a festa por eles organizada: missa e desfile até à capela, oferta de pães-de-ló às mordomas e ramos aos mordomos, atuação da banda local e, durante a tarde, os esperados bonecos pirotécnicos. Nos anos 80 e 90, sob o olhar da multidão, no penedio deste alto, quando se acendiam os bonecos, entre a fumaça, as bichas rabeadeiras e o cheiro a pólvora, tinha lugar o ponto alto da festa: um bizarro festival de apedrejamentos por parte da rapaziada às figuras produzidas pelos fogueteiros. Todos queriam abatê-los com uma pedrada, mesmo que isso custasse umas cabeças rachadas quando falhavam o alvo.
Em muitas destas celebrações, recorreu-se e recorre-se aos grupos de zés pereiras de Delães para cumprir os rituais festivos, tais como peditórios, procissões e animação de rua. Por exemplo, ainda hoje, são presença imprescindível nas Maçãzinhas, a data de maior importância das Nicolinas, o 6 de dezembro, dia de São Nicolau. Aí tocam o hino em honra deste santo enquanto acompanham os rapazes que, com lanças compridas, oferecem maçãs às raparigas nas varandas. Atualmente, os descendentes do mestre João Lima (1922-1987), um icónico gaiteiro delaense do século XX no Entre-Douro-e-Minho, continuam o legado do seu pai e avô através de dois grupos, “Os Delaenses” e “Os Divertidos”, transmitindo o seu saber musical a familiares e amigos. Estes dois conjuntos, o primeiro do mestre Alberto Lima e o segundo do mestre Manuel Lima, detêm um repertório de relevo no contexto da música popular em Portugal. Ao acrescentarem clarinetes à formação tradicional de gaita-de-fole, caixa e bombo, transformaram-se em charangas de zés pereiras. Estes grupos gaiteiros, tiveram formações análogas no Pinhal Novo, Palmela; em Fragoso, Barcelos; em Ribeirinho, Arcos de Valdevez; em Caminha; e em vários pontos da vizinha Galiza, onde o fenómeno musical é denominado de “murga”. Na nação irmã, tal como cá, já não são abundantes. Cá tendem a desaparecer, restando apenas a formação dos Arcos de Valdevez e as duas de Delães.