Concerto d’O Gajo com a turma de sanfonas da escola de música tradicional da Ponte Velha, Santo Tirso, criou um momento especial no auditório do Centro Cultural de Vila das Aves. André Henriques trouxe lirismo intenso, enquanto os :papercutz abriram um novo ciclo.
A expectativa sentia-se no ar entre aqueles que dez minutos antes da abertura das portas se concentravam no átrio do Centro Cultural Municipal de Vila das Aves para o concerto de O Gajo com a promessa de uma participação substancial da turma de sanfonas da escola de música tradicional da Ponte Velha, em Santo Tirso.
No papel, a parceria era perfeita sobretudo no âmbito do investimento que João Morais, nome por trás do pseudónimo artístico O Gajo, tem explorado em torno das raízes da música portuguesa, largando as guitarras elétricas, o rock e o punk, para enveredar por um novo caminho sonoro em que a guitarra campaniça é protagonista. E na prática, valeu cada segundo expectativa.
Num concerto de sala repleta, a noite viveu-se em modo de contador de histórias. O seu reportório, mesmo sem o dom da palavra, conjura um universo simbólico concreto somente com o característico som da guitarra campaniça. Não há voz, apenas vocalizações esporádicas. Mas a evocação de todo um património imaterial transparece a cada acorde.
“O meu lugar é um sítio não muito bem definido no espaço”, dizia o músico a certa altura do espetáculo. “Sei onde começo, sei qual o destino, mas aqui no meio há todo um mundo para explorar. É aí que me revejo.”
É nessa expansividade que O Gajo esvoaça. De uma Lisboa cosmopolita e massificada que vai perdendo as suas características identitárias para hotéis de cinco estrelas, a danças peculiares nomeadas a partir da picada de tarântulas.
Neste imaginário popular, as sanfonas acrescentaram gravitas ao ‘one man show’. Coordenados pelo professor João Martins, o grupo de (…) músicos subiu ao palco na segunda metade do espetáculo e não deixou ninguém indiferente na assistência. O poderoso som produzido pelo instrumento, tocado à manivela, parecia saído de um outro mundo, não apenas de um outro tempo. Algo vindo do além, criando um momento mágico e especial de comunhão entre músicos em palco e público no auditório.
O objetivo do Sonoridades é, desde o seu início, trazer ao auditório do Centro Cultural de Vila das Aves alguns dos nomes mais conceituados e promissores da nova música portuguesa. O que esta parceria criativa demonstrou é que pode e dever ser também uma plataforma de partilha e exposição para os bons exemplos do concelho.
Rendidos ao resultado final, o que toda a gente se questionou foi quando é que se pode assistir a isto novamente.
O lirismo intenso de André Henriques
Os Linda Martini são um dos maiores fenómenos de culto da música portuguesa do século XXI, daí que a presença de André Henriques no Sonoridades fosse encarada com bastante frisson. Sobretudo porque o vocalista da banda lisboeta não assenta os créditos apenas no trabalho criativo produzido a par de Hélio Morais, Cláudia Guerreiro e Rui Carvalho. É um escritor de canções exímio cujo disco de estreia a solo, “Cajarana”, foi recebido com aplausos pela crítica especializada.
A meses de editar o segundo álbum em nome próprio, André Henriques subiu ao palco avense desprovido de artifício. Em modo cantautor, foi navegando pelo seu universo de melodias melancólicas e lírica intensa. Há canções de amor e perda, mas sobretudo reflexões sobre a vida quotidiana assentes no olho clínico com que observa o mundo que o rodeia.
O público de Vila das Aves teve o privilégio de assistir de presenciar um espetáculo em tom soturno e descontraído, onde o músico deixou que o poder da palavra deixasse o seu efeito quase etéreo na compacta assistência. Percorreu o disco de estreia quase por completo e como bónus ofereceu dois vislumbres do novo disco que estará disponível em setembro.
:papercutz a abrir um novo ciclo
Se a eletrónica é o cartão de visita da banda do Porto, a nova fase que os :papercutz estrearam no concerto em Vila das Aves vai em busca de novos horizontes.
Com Bruno Miguel, um dos fundadores do projeto, a trabalhar nos EUA, o projeto prepara um novo trabalho que, concebido entre Portugal e a Islândia, vai juntar novas canções e novas roupagens ao reportório dos :papercutz através de um ensemble de instrumentos clássicos.Um ensemble que se estreou ao vivo no auditório do Centro Cultural de Vila das Aves e deixou boas perspetivas para a edição de “So Far So Fading” ainda este ano.