[Opinião] Os porteiros do fascismo

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

De momento, são raros os países europeus em que a extrema-direita não tenha uma representação expressiva, governando ou influenciando os destinos do país. Encavalitada noutros partidos de direita, lá se vai infiltrando como uma minhoca na maçã, ora com botas cardadas ora com pezinhos de lã, como canta Sérgio Godinho.

As recentes eleições em Itália, a terceira maior economia europeia, e o facto de uma força de extrema-direita, comprometida com o legado do fascismo, ter sido o partido mais votado, fez soar os alarmes. Os fazedores de opinião apressaram-se a escrever sobre as possíveis causas e soluções, convergindo, em grande medida, na necessidade de aprofundamento da “União Europeia” (adiante UE). Porém, ninguém explica de que UE se trata? Será aquela que sob a capa das “finanças sãs” tem desmantelado o estado social que permitiu implementar uma certa igualdade de acesso a bens fundamentais como a saúde e a educação? A que dá cobertura política aos paraísos fiscais nos Países Baixos e Malta, fechando os olhos à evasão e à fraude fiscais? A que está sempre disposta a socializar os prejuízos da banca e grandes empresas e nunca as riquezas? A que tenta impor, em todo o espaço comunitário, o nivelamento por baixo, ao nível dos salários, dos direitos dos trabalhadores e das prestações sociais que estes foram conquistando? A que defende alterações na legislação laboral para dividir e isolar os trabalhadores, enfraquecendo o poder negocial dos sindicatos, de modo a agravar as desigualdades na distribuição da riqueza? A UE que despreza a vontade dos povos quando escolhem políticas diferentes e resistem aos seus condicionalismos, constrangimentos, imposições e chantagens, como sucedeu na Grécia? A UE em que a abstenção se tornou a escolha maioritária? Em que só as políticas de direita e conformes à lógica liberal respeitam os seus tratados, reduzindo a democracia a uma liturgia sem sentido? É neste caldo em vórtice, a que se soma a intensificação da confrontação militarista, da guerra e de uma política de sanções contraproducente, que se desagua em torno do fundo da peneira: a extrema-direita. Pelo que o apelo ao seu aprofundamento como arma para conter a ascensão da extrema-direita, sem qualquer crítica sobre a estrutura (neo)liberal em que assenta, leva-nos a concluir de que o mito associado às avestruzes de que enfiam a cabeça na terra quando estão com medo, adequar-se-á mais aos comentadores da praça quando estão aturdidos.

“Se o neofascismo assalta a Europa foi porque lhe abriram as portas e essa culpa recai nas políticas seguidas na UE nas últimas décadas”

Se o neofascismo assalta a Europa foi porque lhe abriram as portas e essa culpa recai nas políticas seguidas na UE nas últimas décadas, quer por partidos socialistas, social-democratas e de direita (especialmente da democracia-cristã). Foram essas políticas que permitiram a sua integração, bem como a narrativa de responsabilização dos mais pobres, dos migrantes e das minorias étnicas pelas crises permanentes do capitalismo.

A par da camisa-de-forças em que se tornou a UE, dentro da qual se tornou praticamente impossível qualquer alternativa ao neoliberalismo, vale também sublinhar a cumplicidade de alguma esquerda que abandonou a sua identidade, a luta de classes, numa crença cega pelo jogo eleitoral, visando apenas remediar os “excessos” do mercado livre e concorrencial. O efeito da sua metamorfose em mero gestor do capitalismo, teve como principal efeito a desmobilização das classes trabalhadoras e populares, o qual é aproveitado pela extrema-direita.

As causas são conhecidas e as soluções também. Basta olhar para a segunda metade do séc. XX, em que se verifica uma coincidência no tempo entre o aumento da esquerda, com um conteúdo de classe, e a diminuição da extrema-direita. Quanto mais esquerda de classe existir, menos o fascismo avança, o que deve servir de lição para quem tem alimentado o fervor anticomunista.

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