Os resultados eleitorais das legislativas têm provocado um tanto ou quanto desnorte, deixando muitos perdidos no meio das dificuldades, o que me levou a recordar o título do primeiro livro de poesia de Manuel António Pina: “Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde.” Não pretendo relativizar os perigos anunciados, mas a clareza enunciada pelo poeta permite acalmar as hostes, combatendo a agitação desordenada que dificulta a descoberta de respostas aos desafios destes novos tempos.
Ainda com os votos da emigração por apurar, é já certo que os projetos da direita obtêm uma maior expressão na Assembleia da República, prevendo-se um caminho de agravamento das condições de vida de quem vive e viveu do seu trabalho, assim como de privatizações e degradação das funções sociais do Estado em nome do negócio privado em áreas como as da saúde, proteção social ou habitação.
A direita caceteira conseguiu expandir-se num período de turbulência política e social, inseparável das opções da governação da maioria absoluta do PS, canalizando a insatisfação de parte da população face ao acumular de dificuldades contra os pobres que “vivem” de subsídios, os imigrantes que “roubam” empregos, as mulheres que “reclamam” a igualdade, os sindicatos que “enganam” os trabalhadores, os serviços públicos que são “corruptos” etc. Um discurso de ódio e castigo, amplificado pelos órgãos mediáticos, que pretende dilacerar os laços de solidariedade em busca de uma ordem imaginada do passado na qual as “hierarquias eram respeitadas”. Um discurso que não é novidade, nem apareceu de repente. Sempre aí esteve acomodado nos partidos da direita “tradicional” de onde saíram as novas forças políticas de direita, servindo para manter ou aprofundar as desigualdades existentes.
À esquerda, o resultado da CDU, com a redução da sua representação parlamentar e uma percentagem abaixo de há dois anos, trará reflexos negativos para a adoção das políticas necessárias para fazer face aos problemas que o país enfrenta. Porém, não é hora de desistências ou desilusões, é hora de resistir, mas também de gerar e mobilizar uma alternativa. Como se diz entre camaradas, a melhor forma de preservar direitos passa por avançar em direção a novos. Embora os tempos sejam mais adversos, é nossa obrigação defender um projeto político alternativo que não poderá separar-se das lutas dos trabalhadores, no plano sindical e no plano político, nem da nossa revolução de Abril, enquanto evocação histórica de conquistas coletivas. No combate ao ressentimento, devemos resgatar a esperança coletivamente, apresentando um novo horizonte de futuro mobilizador, com vista à construção de um sistema mais justo e igualitário que liberte as pessoas das preocupações materiais. Tomar a riqueza acumulada em poucas mãos para distribuí-la melhor entre a maioria da população e aumentar a produção para produzir mais riqueza a ser distribuída entre todos. Hoje, mais do que ontem, devemos integrar e reforçar as organizações e movimentos para obrigar a construção desse caminho.