[Opinião] Retrospectivas eleitorais

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

O primeiro-ministro demitiu-se e o Governo vai cair. Embora a demissão surja na sequência de recentes investigações judiciais, não está desligada da instabilidade política/social a que conduziram as suas políticas. A maioria absoluta do PS correspondeu ao aumento do custo de vida, à degradação do poder de compra dos trabalhadores e reformados, ao agravamento dramático dos problemas no SNS, ao aumento de obstáculos no acesso à habitação, e a uma situação insustentável na escola pública. Um período de frustração de expectativas que foi acompanhado de fortes mobilizações populares. Este período de convulsão convida a uma análise retrospetiva da última década governativa, em que se desenvolveram três fases distintas da vida política.

Entre 2011-2015, um governo do PSD/CDS-PP, que contava entre os seus apoiantes mais fervorosos com os atuais membros do CH e IL, conduziu a uma situação dramática para a maioria da população. Aumento expressivo do desemprego (de 653 mil para mais de 1 milhão e 200 mil); cortes nos salários e pensões; emigração forçada (mais de meio milhão); aumento brutal dos impostos; destruição e degradação dos serviços públicos; privatizações de serviços essenciais; aumento significativo da dívida pública após sucessivos resgates da banca (em 2014, atingiu 130,2% do PIB, quando era de 68,9% em 2008).

Entre 2015-19, um governo minoritário do PS, por força da ação determinante do PCP para derrotar o governo PSD-CDS, e cuja correlação de forças permitiu condicionar a ação governativa do PS. Através da imposição do PCP, alcançaram-se avanços inegáveis nas condições de vida. Para lá da reposição de direitos e rendimentos, foi assegurada a gratuitidade dos manuais escolares para o ensino obrigatório, aumentos extraordinários das pensões para mais de dois milhões de pensionistas e reduzidos os preços dos passes sociais nos transportes públicos, que a nível local proporcionaram poupanças anuais de 300-650 euros em viagens de Santo Tirso ao Porto (ou vice-versa).

Entre 2019-2021, registou-se uma expressiva subida eleitoral do PS, enquanto o PCP (CDU) viu diminuído o seu número de deputados com reflexos evidentes na correlação de forças. Nesses dois anos e meio, o PCP exigiu medidas urgentes que se destinavam a reforçar o investimento na Escola pública e no SNS, bem como o peso negocial dos trabalhadores na contratação colectiva, medidas que o governo do PS rejeitou, aliado à direita, pois dava sinais de querer governar em maioria absoluta. Em complô com o Presidente da República, foram marcadas novas eleições após a recusa de um orçamento de estado que não servia as necessidades do país, como se veio a verificar.

Em 2022, o PS obteve uma maioria absoluta com a promessa de assegurar a estabilidade do país e de combater a ascensão da extrema-direita. Está à vista que ocorreu o oposto do que fora prometido. Apenas os representantes dos grupos económicos e da banca que comemoraram efusivamente a maioria absoluta não viram as suas expectativas defraudadas. Só em 2022, dezanove grupos económicos acumularam lucros acima de 5,1 mil milhões de euros, enquanto os salários e as pensões não acompanhavam os aumentos dos preços. No presente ano, a banca já lucrou 3,3 mil milhões de euros, enquanto centenas de milhares de famílias enfrentam dificuldades para fazer face ao aumento dos juros.  A maioria absoluta significou uma crise do custo de vida para muitos, mas uma época de bonança para poucos.

Isto posto, a última década revelou com clareza que o voto no PCP é a melhor garantia de que não se terá um governo de direita, nem uma maioria absoluta do PS, cuja convergência nas questões essenciais servem os interesses dos grupos económicos e da banca. De que só o reforço do PCP e da CDU podem criar condições para o avanço nas condições de vida e a conquista de direitos. 

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