[Opinião] Direito ao Lazer

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

Para muitos, os meses que vivemos são sinónimo de estímulos à criação, banhos de sol na praia, tardes sonolentas a espreguiçar, reunião com amigos e convívios em família. Ou seja, de tempo livre conquistado que se dá pelo nome de “férias” e que tenta introduzir um pouco de cor no ambiente pardacento de uma vida demasiado rotinada. O que hoje é uma época tomada como adquirida e amplamente ansiada pela maioria da população, advém de séculos de lutas travadas pela classe trabalhadora por melhores condições de vida.

As férias, apesar de reconhecidas em finais do século XIX, em alguns países, tais como a Inglaterra e Dinamarca, eram somente uma regalia para poucas categorias profissionais. Foi já no século XX (1922), com a revolução de Outubro, que ficou estabelecido o direito para todos os trabalhadores soviéticos a duas semanas de férias anuais – e o mais importante, pagas. Mais de uma década depois, seguiu-se a Organização Internacional do Trabalho, que através de uma Convenção sobre férias remuneradas, em 1936, propôs seis dias úteis de férias. No mesmo ano, em França, com a vitória da Frente Popular (coligação entre socialistas, comunistas e outros democratas), e encorajada com greves que abrangiam mais de 2 milhões de trabalhadores, foram instituídas as primeiras férias pagas (2 semanas) e a semana de trabalho foi reduzida de 48 para 40 horas (sem redução no salário). Numa época em que viajar de automóvel era privilégio de uma minoria, aprovaram-se descontos de 40% nos bilhetes de comboio – que ainda hoje vigoram – para os trabalhadores se deslocarem para locais diferentes e aprazíveis, permitindo assim a não ficarem resignados ao mesmo local.  O período de férias remuneradas foi logo alcançado em outros países europeus, especialmente após a segunda guerra mundial.  

Por esta altura, no regime fascista português, as escassas férias (8 dias) estavam condicionadas à verificação de diversos pressupostos. Só podiam gozar das mesmas os assalariados de empresas com uma determinada dimensão (acima de vinte trabalhadores) e depois de 5 anos de “bom e efetivo serviço”.  Ou seja, a concessão das férias servia habitualmente de elemento de chantagem, sendo favorecidas as chefias que seguiam cegamente as ordens dos patrões. Por sua vez, os assalariados rurais, que em 1940 correspondiam a cerca de metade da população ativa, não gozavam de tal “regalia”, sendo obrigados a trabalhar, continuamente, de sol a sol.  Acresce que, se é certo que os transportes públicos ou privados constituem um elemento de grande importância nas férias, convém recordar que não só eram escassos os transportes, como as ligações entre as localidades eram demoradas. Por exemplo, de Lisboa ao Algarve, quando só havia a estrada nacional, a viagem podia demorar entre cinco a dez horas.

As férias como as concebemos atualmente só ficaram consagradas depois da Revolução de Abril, não sendo condicionadas a quaisquer exigências ou modos de prestação de trabalho. Tal conquista propicia uma forma de “reencantamento” temporário do mundo, caracterizando-se por uma relativa suspensão de uma rotina diária marcada pelo cansaço físico e mental gerado pelas atuais condições de trabalho; as grandes distâncias entre a casa e o local de trabalho e os espaços de lazer; as dificuldades de trânsito; as atividades domésticas; e sobretudo, a falta de espaços de lazer na cidade. A sensação dos tempos modernos é de que o tempo se tornou demasiado escasso para tudo. Daí que a redução da carga horária de trabalho, a conquista dos fins de semana e as férias remuneradas não sejam meras conquistas dos trabalhadores do século passado, mas uma necessidade urgente a aprofundar no presente. 

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