[Crónica] Vilarinho, terra de tamborileiros

CRÓNICAS/OPINIÃO Napoleão Ribeiro

Alberto Pimentel marcou indelevelmente o concelho de Santo Tirso. A sua publicação de 1902, “Santo Thyrso de Riba de Ave”, foi, de certa forma, pioneira para a época, quando o mesmo decidiu mudar-se para a então pequena vila, e redigir uma monografia sobre o concelho. De facto, foi o primeiro a compilar dados históricos, etnográficos e artísticos das freguesias deste território. No trabalho, fez questão de referir que, no plano etnográfico, de todas tradições descritas na obra, só não registou pessoalmente uma delas (p.223). Isto demonstra a proximidade que teve com a população local, num tempo em que muitos dos assuntos publicados sobre etnografia eram registados pelas elites aos trabalhadores de classes mais baixas, que serviam nas suas casas, muitas vezes sem corroboração no terreno.

Sobre um desses costumes, Alberto Pimentel (p.227) transmite que “os «Tamborileiros» são uma exhibição tradicional em todo o concelho de Santo Thyrso nas romarias e festas populares. Homens vigorosos descarregam simultaneamente rijos golpes de baquêtas em bombos e caixas de rufo, produzindo um estrondo atroador, que, segundo se diz, chega a fazer turvar o vinho nas adegas. Tambem descrevem rudimentares evoluções choreographicas, saltando e pulando n’uma espécie de batuque muito primitivo. Acompanham algumas procissões, como por exemplo, a de S. Bartholomeu, que sai da matriz de Santo Thyrso para a capella d’aquelle santo. Os «tamborileiros» fazem ensaios antes de aparecer em publico e, diga-se a verdade, conseguem, n’esta monstruosidade musical, ser afinados.”

Sobre a romaria de Valinhas, o escritor portuense (p.257) afirma que assistiu “à dança dos tambores, folia selvagem. Imagine-se quatro ou cinco tambores rufando ao mesmo tempo e, no meio, o homem do bombo, fazendo-o retumbar com fortes golpes de baqueta, vibrada por cima da cabeça, por cima dos ombros, ora por debaixo do esquerdo, ora debaixo do braço direito. As piruetas que ele era obrigado a fazer para conseguir fazer estes efeitos de acrobatismo musical, não posso eu dizê-lo. Só visto. Verdadeiramente comico, o homem do bombo!”.

Tal como Camilo Castelo Branco, seu amigo pessoal que muito admirava, posteriormente, Pimentel usou os conhecimentos adquiridos no terreno para produzir ficção. Conforme registou na monografia sobre Santo Tirso (p. 256), posteriormente, no seu romance “Lobo da Madragoa”, refere (p.24) que, nas décadas de 1860 a 1890, Vilarinho, a freguesia mais oriental do concelho, era famosa pelos seus tamborileiros. Na mesma narrativa, descreve a já citada procissão do São Bartolomeu da Ervosa, ditando que abria com “os afamados e ágeis tamborileiros de Vilarinho que, com a sua ginástica de pernas e piruetas, muito agradavam aos assistentes”.

: Desenho de António José da Costa (1840-1929), baseado na pintura “A Ronda do Mártir [São Sebastião]” de António Alves Teixeira, o “Vizela” (1836-1863). In A Arte Portugueza: revista mensal de bellas-artes. Porto: Centro Artístico Portuense, 1884. N.º 12. P.6.

Destes tamborileiros de outrora, nos registos paroquiais da freguesia, registamos Julião de Freitas, nascido em 1848, morador nos lugares de Eiró e da Presa. O assento de batismo de uma das suas filhas, nascida em 4 de fevereiro de 1873 (PT-ADPRT-PRQ-PSTS32-001-0010_m00061 do Arquivo Distrital do Porto) indica que tinha a profissão de “tamborileiro”. Nos registos de outros filhos, é referido também como jornaleiro e caseiro de terras.

Já no século XX, a prática musical foi continuada pelos “Maraus”, um grupo informal, hoje inativo, que nasceu na casa de Francisco da Cunha, (1927-1984), um fogueteiro agente da Pirotecnia Fontes, de Lustosa, Lousada. Alcunhado de “Marau”, enquanto lançador de foguetes, foi bastante ativo nas festas dos territórios adjacentes às margens do rio Vizela, entre Vilarinho, São Martinho do Campo, Vila das Aves, Moreira de Cónegos e Vizela. Dadas as suas relações de clientela, adquiriu tambores que depois alugava aos festeiros, para que estes também tocassem em grupos informais. Estas duas atividades económicas, relacionadas com as festas, complementava o rendimento da sua família, depen­dente, sobretudo, do trabalho exercido nas fábricas têxteis da Cuca e da Baiona, onde Francisco “Marau” trabalhou como tecelão.

Gradualmente, e atendendo às circunstâncias, os filhos, também eles fogueteiros, juntavam-se com amigos e tocavam, tanto por divertimento, como para apoiar as celebrações religiosas e profanas da fregue­sia e arredores. Conhecidos como “Maraus”, mais tarde designaram-se “Rata Nara”, um termo retirado de um trauteio/mnemónica usado para aprender os toques das caixas de guerra. Nas festas vilarinhenses, além da de Nossa Senhora do Rosário, foram presença assídua na de São Sebastião. Esta última celebração, dedicada ao patrono das pestes e guerras, foi iniciada nos anos sessenta pelos mancebos apurados e recrutados para cumprir o serviço militar na Guerra Colonial. Com o 25 de Abril e o fim do conflito, acabou aí a festividade ao santo por falta de clientela que fosse à guerra…

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