[Opinião] O mito do 25 de Novembro

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

Em Novembro, os partidos da direita (PSD, IL e CH) e sua elite de comentadores nos media, sob as lentes daquelas quarenta e quatro «super-famílias» que constituíam a força económica dominante no fascismo, empenham-se na reconstituição de um passado em que celebram o fracasso de uma tentativa imaginada de «ditadura totalitária comunista». De acordo com essa visão falseada, a Revolução iniciada no dia 25/04/74 – que se pinte como quiser, consistia numa progressiva tomada do poder pela classe trabalhadora – é assinalada como uma época em que o socialismo era imposto de cima para baixo, conspurcando o «ideal puro» do 25 de Abril. Ora, não se estranha que a nacionalização e o controle dos trabalhadores de muitos sectores importantes da economia, entre os quais a banca, seguros, transportes, cimentos, combustíveis, construção naval, siderurgia, indústria química, e muitos outros, que até ao 25 de Abril eram dominados por algumas famílias, sejam por si percecionadas como um ataque à sua liberdade de opressão. Só que a Revolução de Abril era a favor de alguém (no caso, a maioria do povo português) e, naturalmente, contra alguém (a minoria que governava pela exploração dos povos coloniais e do povo português).

Como não podia deixar de ser, tal narrativa procura incutir a ideia de que o PCP liderava o país rumo a um regime totalitário, ocultando toda a sua intervenção durante o fascismo e o processo revolucionário – norteada pelo objectivo de criação de um Estado democrático dirigido à construção do socialismo – cuja dimensão e prova ultrapassa largamente o generoso número de caracteres de que disponho neste espaço de opinião.

“Tal narrativa procura incutir a ideia de que o PCP liderava o país rumo a um regime totalitário, ocultando toda a sua intervenção durante o fascismo e o processo revolucionário”

Como se trata de narrativa de memória ficcional, as infindáveis horas de aclamações nos media não tem qualquer correspondência com quaisquer celebrações nas ruas, as quais se remetem às datas em que o povo foi verdadeiramente motor da sua própria história (25 de Abril e 1 de Maio).  Porém, o que justifica a insistência no «mito do 25 de Novembro», bem como na sua comemoração por toda a direita que diz desprezar o socialismo, quando logo de seguida o VI Governo Provisório retomou funções (que integrava o PCP), tendo prosseguido o processo revolucionário e a aprovação da Constituição (adiante, CRP), consagrando um regime em «fase de transição para o socialismo», em que o «desenvolvimento das relações de produção socialistas» seria a base da «organização económico-social». Quando, por exemplo, ficaram consagradas na CRP as preocupações levantadas pelo PCP após o 25/11: a) defesa das liberdades e conquistas da revolução; b) princípio da irreversibilidade das nacionalizações; c) Reforma Agrária; d) Regime democrático a caminho do socialismo;

O que na verdade a direita celebra (e a social democracia, embora envergonhada) é o caminho em contramão que se seguiu à aprovação da CRP (2 de Abril de 76), em que aqueles que se arvoravam fiéis depositários da vontade do povo rumo ao «socialismo democrático», o fecharam na gaveta mal tiveram a oportunidade. Uma via de «socialismo fingido» por parte do PS e PPD, de traição aos princípios que diziam defender, que fora denunciada pelo membro do PSF, Jean-Pierre Chevènement, que proclamou num congresso em 1977: «nem morrer como no Chile nem trair como em Portugal». Um caminho que permitiu a recuperação do domínio económico daquelas famigeradas «super-famílias», sendo esse caminho de recuperação de privilégios que se procura ampliar no presente, quando se acentuam enormes disparidades ao nível da riqueza, saúde, alimentação, educação, habitação, entre outros.  Aí reside o disfarce e a hipocrisia de toda esta encenação. Quanto ao mais, importa recordar as palavras do General Pezarat Correia, que integrava o Grupo dos Nove: «A democracia e a liberdade vingaram, não por causa do 25 de Novembro, mas apesar do 25 de Novembro. Como apesar do 28 de Setembro, como apesar do 11 de Março».

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