[Entrevista] “É importante que as pessoas venham e gostem daquilo que estão a cantar”

ATUALIDADE DESTAQUE

Alexandre Martins é diretor artístico do Grupo Coral de Vila das Aves que está a celebrar 50 anos de existência. Em entrevista fala da responsabilidade de orientar um grupo com tantas décadas de serviço à comunidade e dualidade entre o canto litúrgico e profano.

Sob todas as métricas institucionais, Alexandre Martins é um jovem. Mas o diretor artístico do Grupo Coral de Vila das Aves já anda nisto há muitos anos. Entrou em 2001 para o coro infantil e está desde 2005 entre os mais velhos. Cresceu aqui. E não é por acaso que se sente a paixão pelo que faz. Entre ele e os 23 elementos atuais do coro há muita carolice, mas sobretudo muito gosto por continuar a cantar. Talvez mesmo por mais cinquenta anos.

Como diretor artístico do grupo coral, sente-se o peso da responsabilidade de 50 anos de existência?

Sente-se. É um grupo que está presente nos principais pontos de viragem na pastoral. Começa por ser fundado no ano da Revolução dos Cravos, em 1974. Formado em setembro para cantar as festas ao padroeiro, na altura sob direção de Alfredo Ferreira, e que reúne uma série de pequenos grupos que estavam ligados ao movimento de operários trabalhadores católicos. É um movimento que sofre algumas convulsões na altura. Portanto, o grupo coral acaba por ser um elemento agregador. Da mesma forma, com a vinda do padre Fernando, em 1981, o grupo coral ganha um novo impulso até para se constituir como associação em 1984 e poder sustentar a escola de música. É uma história já longa e que vai muito para além da sua matriz litúrgica. É uma responsabilidade artística e uma responsabilidade institucional.

Como é que artisticamente se consegue articular essa dualidade?

Nos últimos anos temos investido tanto no repertório litúrgico como repertório profano com a mesma intensidade. Há uns anos havia um investimento maior na vertente cultural pela necessidade dos próprios compromissos do coro e, talvez, se tenha descurado a parte litúrgica. Até porque essa era assumida por outros grupos na paróquia. Neste momento, aquilo que procuro é um equilíbrio. O coro não pode perder a sua matriz litúrgica, é a sua essência e a sua origem, mas também não deve perder esta ligação à cultura.

Em primeiro lugar, porque o canto faz muito bem às pessoas. É importante que as pessoas venham e gostem daquilo que estão a cantar. Para além das eucaristias, os nossos concertos permitem-nos explorar algum repertório que não é muito habitual num coro paroquial, mas que para nós já é corriqueiro.

Somos um coro amador, onde muitas das pessoas que cá estão, já cantam há anos. E as que vão entrando de novo, têm de aprender. Ou seja, para além da minha valência como diretor artístico, na escolha e ensaio do repertório, também tenho esta função pedagógica e prática de ensinar as pessoas para obter os resultados que se configurem aos compromissos. Ou, como se costuma dizer: fazer boa figura. (risos)

Como é que se conjugam essas diferentes perspetivas?

Tinha um professor no conservatório que costumava dizer que qualquer um consegue cantar. Afinado ou não é outro assunto. (risos) Muitas vezes, aquilo que temos em algumas vozes são diamantes em bruto. Pessoas que não tiveram qualquer formação musical e vocal, portanto o caráter pedagógico da direção artística está relacionado com a tentativa de tornar estas vozes audíveis e uma mais-valia para o conjunto. É tudo uma questão de equilíbrio. Não podemos dizer que é um coro vocalmente perfeito, mas é um coro vocalmente competente nas suas capacidades que tenho de exponenciar ao máximo.

Quantas pessoas tem o coro? Como é que se procuram novas vozes?

Tem 23 elementos. É um número razoável para um coro deste género. Precisávamos de mais senhoras nos contraltos, mas o efetivo masculino está bem. É o número mais estável de coralistas.

Não é fácil. Ao longo dos anos, o coro tem beneficiado muito das pessoas que vêm bater à nossa porta pelo gosto de cantar. Nos últimos anos, temos tido a sorte de termos contado com pessoas que, já tendo feito parte, regressaram. E continuamos a ter fundadores, a Deolinda Magalhães e o Joaquim Bessa ainda permanecem no efetivo do coro.

Para novas vozes, passa sempre por lançar o desafio, lembrar que o grupo coral está sempre de portas abertas. No entanto, é preciso sublinhar o seu cariz litúrgico. Como diz o Conselho Vaticano II, é um ministério que imana da própria assembleia litúrgica. Muitas das pessoas que cá estão eram simplesmente pessoas que iam à missa, gostavam de cantar e vieram. O desafio passa por chamar pessoas novas que porventura possam não ter tanto esta participação litúrgica, mas que queiram também participar no resto.

O que pode o grupo coral ser no futuro?

Não sou muito conformista, mas sou muito realista. Otimista qb. (risos) Gostava que o grupo coral pudesse continuar com a sua função litúrgica, que tivesse mais gente para que pudéssemos fazer mais coisas e que continuasse a ser o embaixador da música polifónica de Vila das Aves e um exemplo na arquidiocese de Braga.

Gostava que, com gente mais nova, se pudesse ter uma outra interação com grupos como teatro, algo mais ligado aos musicais, talvez. Um grupo capaz de se manter naquilo que é, mas dar também outros passos.

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