As eleições norte-americanas terminaram e já todos sabemos o seu resultado. Donald Trump ganhou em todos os “swing states”, recuperando estados que Joe Biden havia conquistado em 2020. Ao contrário de 2016, venceu o voto popular, conquistando 51,5% no total de votos a nível nacional, com Kamala Harris a conseguir 47,8% dos votos.
O partido democrata precisa agora de refletir sobre a sua vitória e avaliar a estratégia que o levou a este resultado. Muitos acreditam que os democratas perderam parte dos seus eleitores para Trump e o seu discurso racista, sexista e contra a imigração. Ainda que estas sejam razões reais em certos casos, a verdade é que os democratas perderam para algo mais simples: o sofá. Incapaz de mobilizar o eleitorado, falhou em inspirar os seus próprios apoiantes a votar em Harris, ao contrário do que aconteceu em 2020, quando Biden conseguiu unir a base democrata após quatro anos de uma administração de Trump finalizada com má gestão da pandemia.
Mas por que razão, a iminência de um regresso de Trump, não foi suficente para mobilizar os democratas por Harris? Para quem acompanhou a campanha, os comícios de Harris e do seu candidato a vice-presidente Tim Walls, e os debates, percebemos o grande falhanço que foi para um eleitorado mais à esquerda. E não, Harris não perdeu por ser demasiado de esquerda, foi exatamente o oposto. Alías, vemos como em locais em que Harris perdeu, candidatos ao congresso com políticas mais progressistas conseguiram uma grande vitória. Foi o caso da vitória esmagadora da democrata Rashida Tlaib no Michigan, onde Harris não conseguiu vencer.
Os eleitores norte-americanos enfrentam um cenário de agravamento das suas condições de vida: uma inflação que não acaba e que transformou as idas ao supermercado num verdadeiro pesadelo. Perante estas dificuldades, a administração democrata pareceu incapaz de responder de forma convincente. Harris, longe de representar uma verdadeira mudança, era vista como a continuidade de uma administração que falhou em atacar problemas centrais como a pobreza, a desigualdade e a instabilidade internacional. E, quando questionada sobre o que faria diferente de Biden, a sua resposta foi desastrosa: disse que não conseguia identificar nada que mudaria, exceto talvez integrar um republicano na administração. Como seria possível mobilizar desta forma?
A campanha democrata desmobilizou a sua própria base, incluindo os jovens da Geração Z, um grupo que conquistou parcialmente, mas que, em grande parte, não foi votar. Num comício, já na reta final da campanha, Kamala tentou apelar aos jovens. O que disse? Falou de alterações
climáticas, esperança para o futuro ou combate às desigualdades? Não. Limitou-se a dizer: “I love Gen Z” (“Adoro a Geração Z”). Uma frase que, por si só, demonstra o vazio da campanha: desprovida de conteúdo, e ancorada apenas na sua decência em comparação com Trump.
A diferença de mensagens entre as duas campanhas foi gigante. Trump apostou numa mensagem simples para os seus cartazes: “Trump more money, Kamala less money” (“Trump mais dinheiro, Kamala menos dinheiro”). Em contraste, o slogan de Kamala era: “When we fight, we win” (“Quando lutamos, ganhamos”). Soa bem, mas lutar pelo quê? Ganhar o quê? Já “We won’t go back” (“Não voltamos atrás”) pareceu fraco e contraditório – ninguém quer voltar atrás, mas também ninguém quer permanecer na mesma. Harris representava, em última análise, a continuidade, e a sua campanha fez questão de reforçar essa ideia em vez de alterá-la.
Em resumo, a vitória de Trump não é necessariamente fruto de uma campanha mais brilhante. O Partido Democrata simplesmente deixou de oferecer uma alternativa viável para o futuro. Compreender este erro é fundamental para haver esperança no futuro. Contudo, os sinais não indicam que esta reflexão esteja a ser feita. Resta-nos aguardar pelas alternativas que com certeza surgirão, porque nada fica vazio por muito tempo.