[Crónica] Passos Coelho – um homem pragmático

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

Em Zelig, um falso documentário humorístico, Woody Allen apresenta-nos uma personalidade (interpretada pelo próprio), Zelig, que padece de uma condição clinicamente perplexa. Zelig toma como suas as características do meio em que está. Por outras palavras, num congresso de médicos Zelig “torna-se médico”, adota os preceitos, a linguagem, e os maneirismos típicos. Num campo de futebol tornar-se-ia futebolista, etc.

O documentário pode ser visto como uma crítica ao pensamento a crédito, alinhado com o “homem sem qualidades” de Robert Musil. A ausência de pensamento próprio torna a pessoa numa mera caixa de ressonância do meio.

Há algo (na verdade muita coisa) que me inquieta no sebastianismo em torno de Pedro Passos Coelho. É a desproporcionalidade entre o enorme reconhecimento, como grande figura da direita contemporânea, que lhe é dada e a ausência no mesmo de profundidade de pensamento.

Passos Coelho é intelectualmente e politicamente uma figura medíocre. Provavelmente o primeiro-ministro mais mal preparado nos 50 anos da democracia portuguesa. Uma mediocridade do qual se orgulha e que perfaz o programa que tem para oferecer.

Ora vejamos. Enquanto líder da JSD, quando a liberalização dos costumes era trendy, Passos era “progressista”, e defendia a adoção por parte de casais homossexuais. Hoje, quando o populismo de direita ameaça tornar-se mainstream, defende ideias reacionárias e adota bandeiras da extrema-direita como a luta contra a “ideologia de género” (termo cunhado pela extrema-direita).

Outrora, como afirma Pacheco Pereira, era desenvolmentista, mas enquanto PM, ao sabor dos ventos europeus da época, tornou-se o maior fanático da austeridade desde a primeira hora (até queria “ir além da troika”.).

Nesse sentido, Pedro Passos Coelho é uma espécie de Zelig da política nacional. Molda-se aos caprichos do meio por onde o vento do poder sopra. Não há um pensamento político alicerçado em valores e ideias próprias. 

Por isso, a iniciativa de Passos de apresentar um livro abertamente reacionário e inscrever o seu discurso no de uma suposta “guerra cultural” não é surpreendente. Passos fá-lo obedecendo ao mesmo mecanismo epistémico que o tornou o “melhor aluno” da Alemanha durante a crise. Limita-se a colher a fruta da época. Dantes era a austeridade e a “vida acima das nossas possibilidades”, agora é o populismo de direita.

Passos é pragmático, e o homem pragmático não pensa. Alguém já pensou por ele.

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