[Editorial] Votar em quem nos represente

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

Recomeçou o ciclo eleitoral para as legislativas de março próximo. Por estes dias ouvem-se as notícias da discussão interna nos partidos, com sempre à volta da elaboração das listas de deputados e com as habituais trocas de acusações de traição, de purgas e de favorecimentos que, em vez de promoverem a imagem de democracia interna, desacreditam a capacidade de intervir com qualidade na vida pública. Tudo é congeminado à volta das lideranças de cada uma das instituições partidárias, que são muitas vezes efémeras, mas têm nas mãos o poder de escolher os candidatos que serão propostos aos eleitores para exercício de funções por períodos longos.

É possível que a crescente proporção de cidadãos que se abstêm de participar nas eleições (48,6% em 2022) também esteja ligada à circunstância de a escolha dos candidatos ser feita, exclusivamente, dentro dos partidos. E resultar, como consequência, uma ausência total de identificação entre a população e os deputados do seu círculo eleitoral, que estes não conhecem nem nele são conhecidos.

Numa democracia madura, não tem que ser forçosamente assim. Ainda recentemente António Barreto, no jornal Publico, apresentou uma sugestão sensata e fundamentada que só a inércia do sistema político impede de ser tomada a sério. O seu autor reconhece isso mesmo, pois que intitula o texto como “sonho de uma noite de inverno”.

No sistema atual, o cidadão votante “escolhe quem vence, mas não escolhe quem o representa”. Com um regime de círculos eleitorais em que os candidatos a candidatos se apresentariam perante os seus eleitores, e perante quem responderiam, seria possível aproximar eleitores e eleitos e escrutinar, de forma próxima, a atividade destes.

Tomemos como exemplo que o concelho de Santo Tirso corresponderia a um círculo eleitoral, elegendo um deputado. Os candidatos ao lugar poderiam ser propostos por partidos, por associações, por movimentos cívicos ou por iniciativa pessoal. A campanha eleitoral permitiria conhecê-los, bem como aos ideais e valores que se propusesse defender. Uma segunda volta entre os dois mais votados garantiria a maioria absoluta que fazia do vencedor o representante de todos, com obrigação de, perante todos prestar contas e de os receber para as reivindicações e para a explicação dos fracassos.  

 Tem havido sempre, ou quase sempre, alguém tirsense como deputado. Nunca houve, no entanto, um deputado ou deputada a quem se pudesse pedir responsabilidades como o “nosso/a” deputado/a. A existência de círculos locais a eleger os deputados obrigaria os próprios partidos a uma escolha criteriosa dos candidatos e as listas finais tenderiam a ser melhores pois não seriam “apenas o rol dos fiéis, dos que causam menos problemas à direção do partido e dos que fazem o que lhes mandam e só isso”, como escreveu A. Barreto.

 “Os que se queixam da falta de proximidade da democracia, de afastamento dos políticos, de reduzida transparência do processo democrático e da legitimidade decrescente em tempos de abstenção em permanente aumento, deveriam pensar duas vezes. O sistema está feito para afastar, não para chamar”, concluiu o sociólogo.

Votar em quem nos represente diretamente será um avanço na qualidade da democracia. 

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