[Editorial] Apreender a História

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

Nesta edição do Entre Margens, é notícia do falecimento de Frei Geraldo, monge beneditino nascido em Lordelo, professor de História da Faculdade de Letras do Porto, que sobre a história da sua terra, da Vila das Aves e outras, bem como de instituições religiosas e monásticas da região, nos deixou muitos estudos. Mas a sua obra de investigação e análise a um nível mais amplo pode ajudar-nos a compreender a importância do estudo e do conhecimento da História na interpretação do tempo presente e no debate sobre a projeção do futuro. Frei Geraldo foi biblista e professor de História Comparada das Religiões e de História das Civilizações Pré-clássicas, tendo a sua tese de doutoramento estabelecido paralelos entre a disputa da Terra de Canaã entre Hebreus e Filisteus no século XII antes de Cristo e os problemas atuais da questão palestiniana.

Mas nem é preciso ir tão longe para verificar que a frase de António Guterres, secretário-geral da ONU, reconhecendo que “os ataques do Hamas não aconteceram num vácuo” ou seja, que não surgiram do nada, é incontestável. Há sempre muitas camadas de história por detrás dos acontecimentos e é faccioso aproveitar aspetos circunstanciais do discurso para reforçar o confronto. E é o confronto extremado e violento perpetrado por quem tem as armas que amplia a destruição e o caos, que a todos prejudica. É preciso falar claro, defendendo a dignidade humana: terrorismo é terrorismo e crimes de guerra são crimes de guerra.

O fanatismo cria fanatismo e desencadeia processos de desumanização em que a desinformação e o desconhecimento da história assumem papel preponderante. Radicais, com posições extremadas, de um lado e de outro, espezinham os anseios de paz de populações, que em larga medida não se sentem representadas por quem se diz seu representante. O fanatismo vai prolongar uma guerra que nada resolve e vai continuar a impedir uma solução pacífica do tipo “dois povos, dois estados” já antes previstos no acordo de Oslo de 1993 que foi boicotado por ideologias extremistas de ambas as partes.

No mesmo discurso, Guterres apelou à luta contra o antissemitismo, o anti-islamismo e todas as formas de ódio. Tarefa difícil de realizar em tempos em que é patente a tendência para a definição de polos opostos e recusa de meios-termos, de consensos, de negociação.

A história elucida-nos sobre a tragédia que resulta do extremar de posições e da confrontação global a que pode conduzir. E, como nunca na história houve tanta capacidade de destruição disponível, o risco é agora muito maior.

A história das religiões, que Frei Geraldo bem conhecia, também tem lições para os nossos dias. A guerra aberta entre religiões preenche longos capítulos de muitos séculos. Jerusalém é cidade santa para Judeus, Cristãos e Muçulmanos e bem podia ser o traço de união entre os povos no conflito que se trava em seu redor. As religiões “devem ser alvoradas de paz, ecos de diálogo que ressoam incansavelmente, caminhos de encontro e de reconciliação para chegar onde as tentativas de mediação oficial parecem não ter efeito”. São palavras do Papa Francisco, fazendo história no nosso tempo.  

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