[Crónica] Um FIO condutor. O Festival Internacional de Órgão de Santo Tirso e Famalicão

CRÓNICAS/OPINIÃO Napoleão Ribeiro

A sétima edição do FIO (Festival Internacional de Órgão) está aí. Iniciou no passado dia 17 de setembro e findará a 8 de outubro de 2023. Tenho acompanhado as diversas edições, assistindo a alguns concertos. De facto, e sem rodeios, este é um bom exemplo daquilo que um festival pode ser. Um organeiro do concelho de Santo Tirso – atualmente com oficina na Lama -, especializado na produção de palhetas, teve a sensatez de aliar o seu saber fazer à sabedoria de programadores e músicos para os quais produz os seus instrumentos, e organizar o evento. Assim, e trabalhando em parceria com a associação Tagus Atlanticus, nas oito edições, a organização tem levado os seus concertos às inúmeras igrejas, mosteiros e capelas que constituem grande parte da riqueza patrimonial de Famalicão e Santo Tirso. Em cada ano, são escolhidos três templos, de cada um dos concelhos, e aí levados os concertos. Além disso, organizam visitas e atividades diversas relacionadas com o património organeiro.

Como é comumente sabido, atualmente, Santo Tirso e Famalicão constituem o maior núcleo português de produção e restauro de órgãos de tubos, dadas as oficinas que laboram em Landim, Avidos, Caldas da Saúde e Lama. Aliar, esta característica local às mãos de organistas internacionais prestigiados, é, sem dúvida, uma boa prática transversal que reconhece e potencia, não só, o valor do património imaterial relacionado com o ofício, como também dá importância ao património móvel e imóvel associado aos órgãos e aos templos onde estes se encontram. Simultaneamente, o ecletismo musical dos concertos, tem enriquecido o conhecimento e a curiosidade do público sobre esta temática. 

Conforme é referido na página do festival, em www.festivalinternacionaldeorgao.com, este evento é “de cariz itinerante e (…) procura, a cada nova edição, visitar, para além das igrejas que possuem órgãos autênticos – quer históricos, quer modernos –, paróquias desprovidas de órgãos, às quais é temporariamente levado um órgão de pequenas dimensões, oferecendo, assim, a um público abrangente a oportunidade de desfrutar do encantamento que só um órgão legítimo é capaz de proporcionar. Esta tem sido sempre uma diretriz basilar do presente festival, uma vez que reforça a missão de formação de novos públicos e de democratização da música organística de excelência, fazendo do mesmo uma iniciativa de referência no cenário organístico internacional”.

Na realidade, ao fim de oito edições, assistir, na velha igreja quinhentista de Sequeirô, à interpretação de motetes da Livraria Britânica ou a cantigas medievais do Códex de Las Huelgas, tocados num órgão de mão, por um catalão exímio, e cantados por uma franco-americana, ainda é algo que ainda nos surpreende. Efetivamente, este festival tem levado música medieval, renascentista, barroca, romântica e contemporânea às localidades mais singelas da região, abrindo as portas do conhecimento à universalidade da música e à variedade dos instrumentos musicais. A antiguidade e versatilidade do órgão, prestam-se a isso. Concertos com vielas, harpas, cítolas, cornetos, violas da mão, sacabuxas, baixões, violas da mão e da gamba, além de instrumentos mais convencionais, como pianos, violões, violinos, violetas, violoncelos e contrabaixos, têm acompanhado órgãos contemporâneos e barrocos, realejos e órgãos de mão, demonstrando o potencial multifacetado deste festival.

A atividade organeira, tem sementes antigas aqui perto, no lugar da Ponte, em Lousado, junto aos limites dos dois concelhos. Aí nasceu Manuel Sá Couto, “o Lagoncinha” (1768-1837), um mestre organeiro que terá aprendido o ofício com Frei Domingos de São José Varela, um frade do Mosteiro de Tibães.  

Mais tarde, o mestre George Jann, na charneira das décadas de 1980/90, a propósito do seu trabalho no imponente órgão da Lapa, no Porto, introduziu, novamente, a atividade por cá, instalando-se no lugar do Rosal, em Sequeirô, deixando um lastro de conhecimentos deste ofício que, ainda hoje, perduram nas oficinas de Santo Tirso e Famalicão.

Que o FIO nos continue a surpreender por muitos anos…

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