[Crónica] Nos 30 Anos da Associação de Amigos do Sanguinhedo

CRÓNICAS/OPINIÃO Napoleão Ribeiro

Na passada quinta-feira, dia 15 de junho, a associação dos amigos do pequeno rio, que nasce em Guimarei e desagua no Ave, em Argemil, comemorou o seu trigésimo aniversário institucional. O movimento popular gerado em torno da grande cascata, que se monta, anualmente, junto à velha ponte sobre o rio, no último fim de semana de julho, é bem mais antigo do que a data evocada. A comprová-lo, na sala da sede da associação encontram-se cartazes antigos, da organização das festas, que recuam à década de 1960 e que, certamente, não foram os primeiros. Muitos dos que ali afluem, pela primeira vez, às celebrações, questionam se o Guinhedo foi algum santo e até procuram a capela. Ficam surpresos por se tratar só de um rio e de a festa ser profana. Não é de admirar. Afinal o nome até tem o prefixo “San”. Contudo, e a título de curiosidade, o hidrónimo “Sanguinhedo” vem de sanguinho (Frangula alnus), uma planta de bagas tintureiras, abundante nas margens dos rios.    

Esta associação, de cariz popular, é, sem dúvida, a mais frequentada pelas classes trabalhadoras da cidade, em especial de residentes de lugares como a Ponte Velha, Carvoeira, Friães, Fontiscos, Foral, Sobre Gião, Arco, Juncal, Costeira, Argemil, Várzea e São Bento da Batalha, entre outros. Desde finais do século XIX que, nos antigos lugares da extinta freguesia de São Bartolomeu de Ervosa, na parte ocidental da vila, se instalaram as residências dos funcionários braçais da indústria têxtil, em especial os que trabalharam nas grandes empresas que marcaram os séculos XIX e XX da cidade: a Fábrica de Fiação e Tecidos de Santo Thyrso, de 1898; a Empresa Industrial de Santo Tirso (Arco Têxteis), de 1923; a Abel Alves de Figueiredo & Filho, (s/d); e a Vale de Tábuas – Tinturaria e Acabamento de Tecidos, Lda., de 1973.   

Sanguinho (Frangula alnus). Imagem retirada de www.vivaipedrani.com

Na realidade, ao contrário de muitas outras localidades, o centro urbano da antiga vila, até 15 de junho de 1993, nunca teve uma associação de bairro ou de cariz popular como o “Sanguinhedo”. Mesmo assim, a coletividade mantém-se um pouco à margem, junto à “outra cidade”, aquela onde vive grande parte dos seus associados, marcada por inúmeras casas de construção simples, por ilhas e bairros, separadas por ruas estreitas, onde só passa um carro, a mesma área que, até à III República, esteve carente de políticas urbanísticas, equipamentos e infraestruturas primárias, como água canalizada e saneamento básico. Estas construções preenchem as elevações sobranceiras à encosta oeste do curso do Sanguinhedo e têm vista para “a outra” cidade, a oriental, separada da ocidental pelas duas pontes do lugar da Ponte Velha, mesmo junto à associação. Desses altos da Ponte Velha e Friães avista-se esse “outro lado”, com avenidas largas, dotadas de árvores e passeios, vivendas, prédios e grandes jardins, onde sempre habitaram as elites dos setores secundário e terciário.

Essa parte oriental da cidade foi a dos “notáveis” e “ilustres”, cujos nomes, nos últimos dois séculos, povoaram a história do concelho e a toponímia, em nome do progresso e do empreendedorismo. Controlaram ativamente as empresas e as associações desse centro, como a Santa Casa da Misericórdia, o Clube Thyrsense e as coletividades religiosas de caridade. À exceção das agremiações desportivas, como o Ginásio Clube de Santo Tirso, o Futebol Clube Tirsense (nascido na Ponte Velha) ou o AB92 (criado pela fusão das antigas associações do “Arco” e do “São Bartolomeu”), sempre escassearam no centro coletividades populares, dedicadas ao recreio.

Todos os anos, nas festas, as miniaturas dos cascateiros da Associação dos Amigos do Sanguinhedo constroem uma só cidade, sem oriente nem ocidente, sem ricos nem pobres, como se de um novo planeamento urbanístico se tratasse, imaginado e edificado entre o verde do musgo.

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