[Opinião] O ensino através da luta

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

A Escola Pública deve ser um fator de igualdade, de vitalidade da democracia, de defesa da autonomia do ser humano, que se desenvolve com os outros, e não de forma isolada. Para tal, é urgente que todos que façam parte dessa escola tenham também poder de decisão sobre ela. Ou seja, que professores, trabalhadores não docentes, pais e encarregados de educação e alunos participem na gestão das suas escolas, de forma colegial e participativa.

Contudo, ao longo das últimas décadas, impôs-se um modelo de governação nas escolas que afastou professores e trabalhadores não docentes da participação na sua gestão, através da eliminação dos órgãos colegiais, concentrando-se a direcção na figura de um “Director”. Aos professores e trabalhadores não docentes reservaram o papel de meros cumpridores de orientações meramente economicistas, as quais devem aceitar, acriticamente.

A par da redução da democraticidade da gestão das escolas, que tem inquestionavelmente contribuído para a deterioração do clima de trabalho, assiste-se à degradação das condições de trabalho, ao aprofundamento da precariedade, ao desrespeito da carreira dos professores, que não permite avançar com a necessária renovação geracional, a qual é também fundamental para a renovação da própria escola. Estudos recentes indicam que cerca de 15 mil professores abandonaram a profissão (antes da idade da reforma), sendo que a maior parte dos jovens que conclui o Ensino Secundário não deseja ser professor.

“Quando se mobilizam pela melhoria das suas condições de trabalho, lutam pela defesa da escola pública universal e democrática, a única que é capaz de contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais”

As estimativas apontam que até 2030 mais de 50% dos actuais professores saiam do sistema de ensino por atingirem a idade para a reforma, o que fará com que em 2025, caso não exista a resposta adequada, cerca de 250 mil alunos possam ficar sem professor a pelo menos uma disciplina. Não obstante a necessidade urgente de rejuvenescimento da profissão, um professor contratado demora, em média, cerca de 16 anos de serviço para se vincular. Até lá, são anos a fio de casa às costas, de baixos salários, de horários incompletos, de incerteza de colocação no ano lectivo seguinte. Nesse contexto de incerteza e fragilidade, à deriva e sem orientação, vivem cerca de 30 mil professores. Por fim, persiste a injustiça criada pelo PS (e apoiada pela direita) de apagão de tempo trabalhado, em que foram retirados seis anos e meio de tempo de serviço. Sendo que tal prazo de congelamento continua a ser dilatado, na prática, para milhares de professores retidos nos 4.º e 6.º escalões da carreira, que aí permanecem há mais de uma década em lista de espera por vaga para progredirem ao quinto e sétimo escalões. 

Confrontados com uma desvalorização profissional e social e um modelo de governação assente na concentração de poderes, os professores não renunciam à sua condição plena de educadores. Quando lhes dizem que o papão das “contas certas” impede a recuperação do tempo de carreira perdido, demonstram que só se perdem as lutas que se abandonam, pelo que insistem. Quando organizam reuniões e sessões de esclarecimento nas escolas, como tem sucedido em todo o país, mostram com o seu exemplo como as crianças e os jovens (e os encarregados de educação e os trabalhadores não docentes e os professores) devem participar democraticamente. Quando se mobilizam pela melhoria das suas condições de trabalho, lutam em defesa da escola pública universal e democrática, a única que é capaz de contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais. Assim, “a lutar, também estão a ensinar”, conforme anunciam nas dezenas de manifestações e greves. É ao seu lado que devemos estar.

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