[Crónica] Pode Alguém Ser Quem Não É?

CRÓNICAS/OPINIÃO Fátima Pacheco

Estar em Portugal representa voltar a ter frio de verdade. O estado de São Paulo, dizem os brasileiros, é frio no seu inverno. Nos primeiros anos esse frio de verdade não se fez sentir no seu organismo. Porém o corpo vai-se habituando a novas sensações térmicas e começa-se a sentir o clima de outro modo. Tudo isto vem a propósito do meu sentir ambivalente entre o que se passa em Portugal e no Brasil.

Não sei se as notícias cá chegam do mesmo modo que eu vejo, pois procuro ver canais que reflitam o que realmente se passa por lá. Foi com estupefação que dia 8 de janeiro assisti, quase que em direto, ao assalto à Praça dos Três Poderes em Brasília. Não era nada que não se esperasse, eram acontecimentos que estavam há muito anunciados nas redes sociais com o aval de pessoas que deveriam ter responsabilidade política e, de facto, não mostraram ter.

Manifestações populares são saudáveis em tempos de democracia, fazer baderna e apelos a atos antidemocráticos, parece-me ser a expressão da incapacidade de saber viver com o outro”

Manifestações populares são saudáveis em tempos de democracia, fazer baderna e apelos a atos antidemocráticos, parece-me ser a expressão da incapacidade de saber viver com o outro, na sua diferença, na sua subjetividade, na sua capacidade de amar que a religiosidade apregoa e defende.

Na diplomação do atual governo brasileiro, em 12 de dezembro, assistiu-se à tentativa de ocupação, bem violenta, da Polícia Federal. No 24 de dezembro descobriram a tentativa (entre outros casos) de fazer explodir o aeroporto de Brasília. A entrega legitima de poder ao novo governo no 1º de janeiro foi tranquila fruto da intensa observação dos manifestantes presentes. No primeiro final de semana e após a deslocação do presidente para outro estado, deu-se a calamidade. A invasão dos edifícios (executivo, legislativo e judicial) deu-se com a conivência de polícias, políticos, forças armadas (às quais os manifestantes pediam intervenção). A depredação de obras de arte foi o que mais demonstrou a ignorância daquelas pessoas.

E como pode alguém ser quem não é… fico feliz por em Portugal, passados tantos anos de 1974 e o verão quente em 1975, termos (de algum modo) aprendido que não é a violência que nos permite viver melhor.

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