[Crónica] Greve dos Professores: a tese do parasitismo

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

A degradação das condições de trabalho que os professores têm vindo a sofrer diz respeito a várias dimensões, e deriva de múltiplas causas. Gostaria de focar-me numa, que a meu ver acompanha todas as outras. A da visibilidade pública da figura do professor.

Com a ajuda de sucessivos governos, desde o primeiro governo de José Sócrates, a tese do parasitismo, associada ao setor profissional dos professores, entranhou-se com relativa facilidade na sociedade civil.

Os professores foram reduzidos, por parte da opinião pública, a um custo. Isto é, ao abrigo desta tese, um sorvedouro do orçamento nacional (os nossos impostos!), que alimentaria as suas supostas vidas de luxo improdutivas. Efabulou-se, e efabula-se, acerca da vida espetacular dos professores. Não passam na maioria dos casos de um conjunto de erros estatísticos, falsas analogias – comparações ora com as remunerações dos escalões superiores da carreira (onde quase ninguém chega), ora com as remunerações de empregos não qualificados, omissões, ou pura má-fé. Não há, obviamente, correspondência entre a vidas de luxo imaginadas por parte da população, e as vidas cada mais precárias (não só em termos de salários, mas também) a que os professores vão sendo sujeitos.

“O valor do trabalho dos professores não deve ser avaliado em termos puramente produtivistas. Para além do nosso papel no sistema de cooperação económica, somos sobretudo cidadãos e humanos”

Relativamente ao argumento da falta de produtividade dos professores (aplicada aos funcionários públicos no geral), confesso que me faz rir. Gosto chamar-lhe de “falácia da autossuficiência”. Segundo esta, não só o produto do nosso trabalho equivale ao contributo, isolado, que dedicamos, como somos inteiramente responsáveis pelas capacidades produtivas que colocamos em ação. Esquecemo-nos, ou fazemos por esquecer, que os professores são, muitas vezes, os maiores responsáveis pelas capacidades produtivas que permitem que façamos o nosso trabalho, e daí tirar rendimento. Assim, a pergunta “onde está a produtividade dos professores?” pode ser respondida de forma simples. A produtividade dos professores está, por exemplo, incorporada nos emails que enviamos, em contexto laboral. Atividade impossível de ser realizada caso não soubéssemos ler e escrever, de antemão.

No entanto, o valor do trabalho dos professores não deve ser avaliado em termos puramente produtivistas. Para além do nosso papel no sistema de cooperação económica, somos sobretudo cidadãos e humanos. Na mesma proporção, os professores têm um papel fundamental não só na formação das nossas capacidades produtivas, mas igualdade nas necessárias ao exercício da cidadania, e no desenvolvimento das faculdades humanas mais elementares – pensamento, imaginação, razão, cálculo, etc. Em suma, têm um papel pervasivo em todas as esferas da nossa vida.

Assim sendo, está na hora de pôr a tese do parasitismo de lado. Num documentário sobre as grandes questões da humanidade, quando perguntaram a uma pessoa, considerando-se pobre, qual a maior razão da sua condição de pobreza, ela respondeu prontamente: nunca ter acedido à educação.

A abstração “serviço de educação” significa isto: acesso a um local onde professores nos transmitem conhecimentos. No mundo em que vivemos, bem diferente do daquela pessoa, onde o acesso à educação é praticamente garantido, fazemos por esquecer o seu significado. Não aprendemos a ler por osmose. Alguém nos ensinou. Devemos, no mínimo, respeitá-lo.  

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