[Editorial] Meu querido Zé Manel,

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

Partiste e deixei de ter com quem partilhar ideias, histórias e lembranças do teu muito querido Desportivo das Aves. Seja esta uma nova forma de trocar impressões contigo sobre este tema que foi sempre recorrente nas nossas conversas.

Recordo o que escreveste em 2020, sob o título ‘O Aves nada nos deve, nós é que lhe devemos’: “faz 50 anos que me estreei, ainda júnior, no primeiro grupo, em Chaves (3ª divisão nacional); faz 25 anos que participei na direção do Nuno Almeida. Fui contabilizando, ao longo das épocas, ativos (vitórias e amizades) e passivos (derrotas, ilusões e desilusões). Que o resultado foi POSITIVO, disso não tenho dúvidas”.

Acredito sinceramente que o saldo foi positivo para ti. Mas foi, seguramente, altamente positiva para o clube. Recordo a resolução do complexo problema da aquisição do Campo Bernardino Gomes. Acredito que os teus préstimos tenham sido ainda mais relevantes nos domínios da contabilidade e da fiscalidade. Mas relevo o teu empenho para a construção do Pavilhão numa época em que, para muitos, isso era arranjar um “cancro” que iria arruinar o Clube.

Faço-o porque entendo que a construção do pavilhão foi a concretização de um sonho de ecletismo de gente cujo foco desportivo não foi só futebol. Recordo que Floriano Moreira participou na Volta a Portugal de 1935 com a camisola do Desportivo e organizou corridas de rolos “indoor” e espetáculos do poço da morte no campo, para consolidar financeiramente o clube.

“Penso que concordarias comigo que uma visão mais ampla, mais consistente e mais atual das finalidades do clube deveria ter a formação desportiva como seu verdadeiro fulcro”

Lembras-te com certeza que um grupo de entusiastas pegou no Voleibol, com as insígnias do Aves, por volta de ‘74 e outro grupo que praticou atletismo sob a bandeira do Aves. E, da parte do Clube nunca encontraram empenho e reforço para a sua continuidade.

Um ringue construído já nos anos oitenta no Bernardino Gomes foi palco de alguma iniciação desportiva de raparigas com futebol salão, mas alguma prática desportiva juvenil, nomeadamente feminina, extrafutebol, foi feita fora do clube e só recentemente, com o voleibol, ganhou expressão.

Deixa-me abreviar para te contar algo a acrescentar ao passivo póstumo da tua contabilidade clubista. Em reunião de assembleia geral realizada a semana passada, a maioria rejeitou uma proposta de autonomização do Voleibol do Desportivo das Aves. Uma proposta que me pareceu sensata pela forma como, criando uma associação nova, garantia ao Clube e aos seus sócios a condução dos seus destinos, permitia uma gestão autónoma e o acesso a financiamentos que a situação atual não autoriza. E, acima de tudo, garantia a manutenção da formação de algumas dezenas de miúdas voleibolistas e a continuação da equipa sénior feminina na competição ao mais alto nível nacional.

O estranho desta decisão de impedir a autonomia é que surja acompanhada de acusações de divisionismo a quem queria implantar um modelo de gestão eficiente numa secção já de si modelar e acrescentar financiamentos a quem deles carece como de pão para a boca. A negação deste modelo de autonomia resulta da visão estreita de que o futebol continua a ser a “mola real” do clube.

Penso que concordarias comigo que uma visão mais ampla, mais consistente e mais atual das finalidades do clube deveria ter a formação desportiva como o seu verdadeiro fulcro. E que, tomando o “fair play” como lema fundamental, evitaríamos aquele equívoco tão habitual a que chamam amor ao clube.

Saudades.

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