“A ASAS está a entrar na idade adulta”

ATUALIDADE DESTAQUE

Helena Oliveira, presidente da direção da ASAS desde 2011, traça o percurso da associação ao longo das últimas três décadas em que mudou a face da ação social infanto-juvenil, sendo uma referência a nível nacional.

Quando se fala de uma instituição como a ASAS, até o nome remete para um plano simbolicamente lírico. Há uma nobreza poética associada aos serviços prestados pela instituição fundada em 1992. Doçura nos afetos que quotidianamente trespassam as paredes da instituição.

O lirismo, no entanto, conta apenas parte da história. O trabalho, esse, é concreto e inesgotável, renovando-se a cada manhã de uma instituição que se orgulha de operar “verdadeira transformação social” na comunidade, dos “zero aos cem anos de idade”, não só através do acolhimento de crianças e jovens como também num apoio social mais alargado a famílias vulneráveis.

Helena Oliveira é presidente da direção da ASAS desde 2011, tendo sido sócia fundadora da instituição em 1992, acompanhando um grupo liderado por Vasco Ferreira. Em entrevista ao Entre Margens olha em retrospetiva para as três décadas de atividade, para os diferentes desafios que as novas gerações colocam às instituições de acolhimento e fala sobre as memórias de um espaço que as fabrica com intensidade acrescida.

A ASAS celebra 30 anos em 2022, em retrospetiva, como é que olha para a caminhada ao longo destes anos?

Ao fim de 30 anos pode dizer-se que a ASAS está a entrar na idade adulta. Foi sempre uma preocupação de todas as direções, desde o início, que os alicerces fossem muito bem estruturados para que esta fosse uma associação sólida e credível. Modéstia à parte, temos todo o orgulho em considerar que hoje temos uma instituição sólida que tem passado por agruras, como todas aquelas que vivem muito dependentes de mecenas.

No entanto, com a capacidade de intervir no terreno e de estar estruturada, considero que é uma associação que está perfeitamente a integrar-se numa idade adulta, bem cimentada e pronta para continuar.

Está envolvida como sócia fundadora desde a génese da ASAS. À época, a instituição foi criada por ter sido identificada uma lacuna no tecido social local?

Na altura, foi identificada uma situação para a qual não existia resposta. O fundador, Vasco Ferreira, era uma pessoa muito perspicaz que estava no seio da ação social, sentiu essa necessidade e arrancou com o projeto para colmatar essa falha que havia no terreno.

“O abandono não acontece só dos zero aos seis anos. Acontece ao longo da vida e sobretudo na adolescência”

Helena Oliveira

A ASAS começa com uma valência de acolhimento de crianças até aos seis anos. A expansão dos serviços deveu-se à realidade do terreno ou a diretrizes a nível da tutela?

Infelizmente, o próprio sistema do Estado não dá resposta. Quando as crianças são acolhidas por ordem do Tribunal e depois não há mais estruturas, o que vai acontecer se o sistema for incapaz de as devolver à família ou à adoção? Era necessário existirem mais valências para que as crianças pudessem ser suportadas. Mas também porque a estrutura organizacional e da sociedade foi-nos mostrando que o abandono não acontece só dos zero aos seis anos. Acontece ao longo de toda a vida e sobretudo na adolescência.

Para além do acolhimento, a intervenção dos CAFAP (Centro Apoio Familiar e Aconselhamento Parental), que são valências onde se atua nas crianças em meio natural para evitar precisamente a sua retirada da família, nasceu de um projeto próprio. É aqui onde penso que a ASAS foi sempre muito proactiva. Concorrer a projetos, ver linhas onde se pudesse apoiar e daí nascem vários projetos.

Quando se fala da ASAS há sempre um lado um bocadinho lírico sobre o trabalho que é aqui desenvolvido. Quais são as memórias mais vívidas que foi retendo ao longo dos anos?

São onze anos na direção, tenho muitas memórias. Tenho uma memória que é contínua. Quando vou visitar os meninos, saio de lá alegre e cansada. Sem saber muito bem porquê. Quando muito brinco com eles, mas saio cansada, porque a cabeça não deixa de funcionar em todos os problemas que estão por trás daquelas crianças.

Tenho uma memória recente muito engraçada. Tivemos um mecenas que nos ajudou nas férias do ano passado e os pequeninos estiveram numa quinta em Negrelos, felizes, com todas as condições, só nosso. Fui visitá-los, para lanchar com eles e houve uma pequenita que me viu e disse-me “há tantos anos que não a vejo”. Isto mostra realmente o quão habituados eles estão à socialização que com a pandemia foi quebrada.

“Hoje fazemos ação social dos zero aos cem anos, estamos do lado da população mais vulnerável e acho que estamos a fazer um bom trabalho a todos os níveis”

Helena Oliveira

Enquanto presidente da ASAS há 11 anos, sente o peso da responsabilidade de gerir uma instituição que basicamente não pode falhar porque é a última rede de segurança no tecido social?

Sim. Aliás, há uma certa inconsciência da minha parte. (risos) Se pensar seriamente que sou cível e criminalmente responsável por toda esta gente, é complicado. Agora, não posso pensar nisso.

O que a faz continuar, então?

É o amor à causa, sem dúvida.  Toda a direção é voluntária. É uma direção coesa e não há dúvida que tenho muita sorte com a equipa com quem tenho o privilégio de trabalhar, sem deixar de referir o corpo técnico. Mesmo que não tivéssemos provas desse valor, a pandemia deixou-o bem claro. Tivemos uma estrutura organizada em que as pessoas se entregaram na totalidade. Foi uma grande demonstração de amor à causa.

Trinta anos depois, ainda continua a fazer sentido o trabalho da ASAS?

Tem que fazer essa pergunta à população. Eu acho que sim e a ASAS tem seguido um caminho correto. Começou pelo acolhimento, mas não é só esta a sua marca. Embora, continuemos a ser conhecidos por isso, hoje fazemos ação social dos zero aos cem anos, estamos do lado da população mais vulnerável e acho que estamos a fazer um bom trabalho a todos os níveis. A sociedade está cada vez mais separada por um fosso e penso que o nosso trabalho está à vista de todos. Mais do que os números, é a qualidade do trabalho que nos importa. E isso tentamos que seja de excelência.

[Ler Entrevista Completa na Edição 691 do Entre Margens – 24 de março]

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