O Natal tem a sua origem numa festa pagã, cristianizou-se durante o império romano, e vive agora um processo de laicização. O Natal tornou-se uma espécie de aniversário coletivo da humanidade.
Numa sociedade tão atomizada, subitamente em dezembro perdemos o individualismo egoísta e tornamo-nos comunitaristas. Perante a toxicidade crescente, acicatada pela ascensão da extrema-direita, o Natal contrasta com compaixão e tolerância.
Durante a pandemia, que parece ter sido noutra vida, a “perda” do Natal exacerbou a agonia coletiva. Afinal, a vida só faz sentido na comunhão com as outras pessoas.
Por isso, descontando os exageros, em termos de impacto ambiental que as autarquias cometem nesta época, é com alegria que voltamos a ver as ruas e praças cheias de luzes, pessoas e cheiros doces.
Não sabemos o que o próximo ano nos trará, mas vários desafios avizinham-se. São as guerras, o extremismo, os algoritmos e a IA. São as alterações climáticas que adiam as golas altas e fazem o vinho quente dos mercados natalícios menos aprazível.
Possa o Natal trazer alguma harmonia, para que possamos enfrentar esses desafios com maior sentido de comunidade. Possa suspender por momentos a nossa ansiedade nervosa e dar-nos algum regozijo.
É certo que o Natal pode suscitar em nós também tristeza, ao lembrar-nos aqueles que outrora partilhavam a ceia connosco, mas que já não se encontram presentes. Saibamos, no entanto, encontrar algum alento na nostalgia.
Não obstante, talvez precisemos de afinar alguns métodos pedagógicos junto dos mais pequenos. Para começar, ensinar às crianças que não é boa ideia pedir ao ChatGPT para escrever as cartas ao pai natal por elas. Ou explicar-lhes que o Pai Natal deve tratar os duendes que fazem as prendas chegarem aos seus sapatinhos melhor do que os oligarcas da gig economy tratam os trabalhadores que fazem as coisas chegarem ao domicílio ao longo do resto do ano.
Por fim, talvez também precisemos de explicar ao Luís Montenegro que não é justo presentear preferencialmente os “meninos ricos”, com descontos no IRS e no IRC, em detrimento do Estado Social, da Ciência (que sofreu um corte brutal), e até da RTP – que arrisca tornar-se numa prenda para alguém num Natal futuro.
Caros leitores. Sendo a última crónica do ano, deixo-vos o desejo de boas festas.