[Entrevista – Jorge Machado] “Perdemos mais tempo a debater situações administrativas do que a discutir efetivamente os reais problemas da freguesia”

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Jorge Machado, presidente da Assembleia de Freguesia de Vila das Aves, fala da gestão que implementa na condução dos trabalhos, da qualidade do debate político e da proximidade das pessoas com os eleitos.

Há seis anos na condução dos trabalhos a partir da mesa da Assembleia de Freguesia de Vila das Aves, Jorge Machado é um homem tranquilo. Apesar dos pequenos arrufos e das minudências que muitas vezes pontuam o debate político avense, o líder do órgão deliberativo e fiscalizador do trabalho do executivo diz que sempre esteve aberto às contribuições de todos, mas garante ser inflexível no cumprimento do regimento e da legislação. Desinteresse da população em geral perante os seus eleitos é um problema que importa tratar.

Ao fim de seis anos no cargo, está a corresponder às expectativas que tinha antes de o assumir?

Sim e não. Quando decidi avançar foi no resultado de um convite já com o pensamento de, no caso de vitória, assumir o cargo de presidente da assembleia de freguesia. Sabia, à partida, o desafio, sabia o que as funções traziam associadas, mas o facto é que ao longo destes seis anos tem sido por vezes mais difícil do que estaria à espera. Custa-me dizer que perdemos mais tempo a debater situações administrativas do que a discutir efetivamente os reais problemas da freguesia. Muitas vezes o meu papel acaba por ser de gerir egos e tricas que em nada enriquecem ou beneficiam a freguesia.

Será essa opção propositada dos grupos parlamentares ou terá mais a ver com uma má interpretação da forma como a própria assembleia é gerida?

É normal que tenha havido alguma objeção inicial à minha gestão. Por ser jovem e novo no cargo, procurei implementar um rigoroso cumprimento da legislação e entendo que a minha rigidez em algumas situações possa ser mal interpretada.

Penso que, justiça me seja feita, não me parece que tenha privilegiado mais o executivo ou os deputados do PS do que a oposição. Tento tratar os vários intervenientes de forma igualitária. Só que tal como exijo a mim rigor, tenho esse mesmo rigor com os deputados, o que às vezes leva a alguma frustração de ambas as partes. Respeito diferenças ideológicas no debate político, a questão é que tenho visto muito pouco disso.

São duas legislaturas diferentes, com duas composições distintas da própria assembleia. Isso obrigou-o a duas gestões diferenciadas?

Evidentemente que os primeiros quatros anos foram de maior aprendizagem. Fizemos um trabalho de colaboração entre o executivo e os deputados, seja do PS, seja do PSD. Era diferente porque, justiça seja feita, nesses quatro anos, a oposição pautava-se por essa discussão mais ideológica sobre os assuntos. Tivemos, sim, discussões sobre procedimento no início do mandato, mas depois as assembleias decorreram com qualidade. Essa é a grande diferença para hoje. Infelizmente, comparando com o passado, é um facto que o debate ideológico e apresentação de ideias para Vila das Aves não é o mesmo.

Tem-se, aliás, discutido demasiado a própria assembleia, seja a questão da sua promoção, seja do agendamento.

Quanto ao agendamento, penso que é manifestamente uma injustiça. No mandato anterior eu agendava as reuniões em coordenação com o presidente de junta e nunca perguntei aos deputados, da maioria ou da oposição, se a data era viável. Quando isso me foi colocado neste mandato, achei interessante e fi-lo. É injusto que digam que quando agendamos uma assembleia de freguesia, esta não é feita com o conhecimento de todos os envolvidos.

Depois, já fizemos reuniões à sexta, ao sábado, chegamos a agendar para domingo de manhã, até a meio da semana. Tenho tentado ter esta flexibilidade porque quero que estejam mais pessoas presentes nas assembleias.

A transmissão online já é uma prática disseminada um pouco por todo o país. Colocando de parte a questão dos recursos, o principal argumento que tem usado está relacionado com a proteção de dados. Não estarão as pessoas, ao participar num fórum público, à partida, a abdicar da sua reserva privacidade?

Evidentemente que eu, enquanto cidadão, no limite, sou a favor dessa transmissão. No entanto, enquanto presidente da mesa, tenho de garantir que são transmitidas, primeiro, em cumprimento d a legislação e, segundo, defendendo quem vai intervir.

Veja-se o exemplo da que ocorreu na última assembleia, onde um deputado teve aquilo que posso considerar, pelas suas palavras, um comportamento discriminatório, que poderia até configurar um comportamento racista. Se isto fosse transmitido como é que ficaria a visão da assembleia de freguesia de Vila das Aves como um todo?

A reunião é publica, mas isso não significa que possa ser reproduzida. Não é o facto de ser pública que a minha opinião pode ser veiculada e, mais grave do que isso, a sua permanência. Uma coisa é dizer uma barbaridade ali, espaço onde estavam aquelas pessoas. Outra, é essa barbaridade ficar para sempre nas redes sociais. E se no caso de um deputado, eleito, a autorização acaba por ser inerente às funções, no caso do público, não. Toda essa dinâmica torna-se complexa.

Temos de ter sentido de momento e do órgão que representamos. Se assim não for, a assembleia perde o seu aspeto institucional, enquanto órgão fiscalizador, deliberativo e que representa todos os avenses. O meu medo é que vulgarizemos o órgão e sejamos responsáveis pelo desinteresse das pessoas nas instituições e não confiem nos políticos.

O presidente da Assembleia Municipal, cunhou no início do mandato a expressão “ditadura do regimento”. Não deveria o regimento de uma assembleia procurar o máximo de consenso possível em vez de criar estes atritos desnecessários entre a mesa, deputados e o público?

Concordo que temos de ir ao encontro das pessoas e procurar esse consenso. Há quatro anos tivemos essa dissonância relativamente ao período do público, nesta tivemos relativamente às substituições de faltas. Ora, se a lei me diz que há um período Antes da Ordem do Dia, Ordem do Dia, Público e que o funcionamento do órgão é composto por estes dois blocos, que depois permite a intervenção do público, o público entra aqui como um aspeto secundário. Eu não entendo que o possa fazer ao contrário.

No entanto, isso acontece em várias assembleias por todo o país e funcionam em perfeita legalidade.

Sem dúvida. Percebo esse argumento jurídico, agora, não concordo é com os argumentos que têm sido usados comigo. Se me dizem que o público deve intervir antes porque caso contrário as pessoas se vão embora, a mim não interessa que as pessoas intervenham no início e não fiquem para assistir ao resto da reunião. E se o público não pode intervir sobre questões da ordem dia, porque para tal estão lá os deputados, se falarem antes como é que vão saber o que vai ser discutido na ordem do dia?

Se quero que os fregueses estejam presentes na reunião para saberem quais são as principais questões que são abordadas, de que forma a oposição traz contributos ou de que forma o executivo responde às questões da oposição, precisamos que estejam presentes.

Quando olha para o conteúdo do debate político, a partir da sua visão privilegiada da mesa, como é que o avalia? Não só por parte da oposição, como também da maioria e do próprio executivo.  

Mantendo a minha postura institucional, o que faz um deputado do PS, PSD ou do movimento independente, fazemos todos enquanto assembleia. Muitas vezes as intervenções e discussões trazidas ficam longe daquilo que considero ser pertinente. Há assuntos que se podiam resolver com uma conversa e são poucos aqueles que sinto genuinamente que são colocados no momento certo, no local certo, na forma certa e devidamente sustentado. Se enquanto presidente da assembleia isso é frustrante, é.

Tem vontade de continuar?

Quando comecei a exercer estas funções foi com a noção da responsabilidade que elas aportam. Se entender, ao fim dos oito anos, que posso ser útil, acrescentando valor para continuar a servir Vila das Aves, cá estarei. Agora, não escondo que tenho mais ambições e estou preparado para representar Vila das Aves ao nível que for necessário.

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