Os espaços de co-working têm-se proliferado por todo o país como locais privilegiados para trabalhadores independentes e freelancers das mais variadas áreas. Em apenas um ano, o Santo Thyrso Work Hub já junta programadores, economistas, designers e empreendedores em rotação pelas suas secretárias.
À primeira vista, é um escritório como qualquer outro. Secretárias. Cadeiras ergonómicas. Máquina de café. Computadores. Ao fundo, uma colorida parede com design psicadélico dá um toque moderno ao espaço. Na verdade, é mesmo um escritório como qualquer outro. A diferença está em quem o habita. “A iniciativa de ali estar parte do indivíduo e não da empresa”, sintetiza José Medeiros, responsável pelo Santo Thyrso Work Hub, localizado na Av. Sousa Cruz, junto à feira.
Os espaços de co-working ganharam proeminência na segunda década do século XXI com a ascensão do trabalho remoto sobretudo nas áreas tecnológicas, permitindo juntar profissionais liberais e freelancers, fora da mesma estrutura laboral, debaixo do mesmo teto, assente numa ideia de partilha e flexibilidade.
Associados normalmente aos grandes centros urbanos, como Lisboa e o Porto, este tipo de espaços de trabalho tem-se proliferado um pouco por todo o país, contando inclusive com uma Rede Nacional de Espaços de Teletrabalho e Co-working no Interior promovida pela Governo. No total, segundo as contas do website coworker.com, existem já 585 espaços deste género em Portugal e, desde o ano passado, também Santo Tirso integra esse mapa.
José Medeiros é programador e trabalha com inteligência artificial para uma grande plataforma de vendas online. Fá-lo remotamente há mais de cinco anos até que se começou a aperceber que, apesar da comodidade de trabalhar em casa, sentia falta da rotina e sobretudo da socialização que o trabalho fora de portas oferece.
“Inicialmente, isto começou porque me fartei de falar só com os meus gatos”, confessa, em tom jocoso, ao Entre Margens. “O que baralha muita gente é que trabalhar remotamente não significa trabalhar em casa. Trabalhar remotamente significa que não tens que te deslocar para um escritório, perder uma hora no trânsito ou em transportes públicos sobrelotados. Mas ao fim deste tempo, apercebi-me que sentia falta da rotina de sair de casa e ir para um local de trabalho com condições”.
O teletrabalho que a pandemia popularizou, devido às restrições de circulação, criou a ideia transversal do domicílio como local de trabalho. O problema, como está fácil de verificar, é que a grande maioria das pessoas não possui em casa os requisitos ideais que possibilitem trabalhar nas melhores condições, seja em termos de espaços físicos e equipamento, seja em termos psicossociais, esbatendo barreiras entre vida pessoal e profissional.
Este conjunto de fatores levou o natural e residente na cidade de Santo Tirso a tomar uma atitude. Começou por experimentar espaços de co-working no Porto, uma solução que, para além dos preços, implicava deslocações diárias e, no fundo, derrotava o propósito do trabalho à distância, optando por partir em busca de escritórios em território tirsense que lhe permitissem sair de casa todos os dias de manhã e, talvez, conseguir atrair outras pessoas para partilhar o espaço.
“A ideia do isolamento na era digital está muito presente e esta é uma forma de agregação”, realça José Medeiros. “Temos cada vez mais a necessidade de nos juntarmo-nos. Pensei que não podia ser o único que estava a passar por isto, mas de certo modo foi surpreendido porque ao fim de algum tempo consegui cativar outros programadores, economistas, estudantes de doutoramento, designers, empreendedores, muita variedade de pessoas”.
Ivo Mirra foi um dos primeiros utilizadores do espaço de co-working de Santo Tirso. A trabalhar como software engineer há 16 anos, quatro dos quais em regime remoto, começou a aperceber-se que afinal, não estava a ser tão benéfico como à partida pensava.
“Era benéfico porque se enquadra na minha forma de pensar e trabalhar, mas depois tem um lado negro”, revela. “Torna-se muito solitário e aborrecido. Já estava a acordar em cima da hora das reuniões, ter as reuniões na cama, e aquela rotina de não sair de casa estava a transformar-me negativamente. Não afetou a parte profissional, porque nunca perdi o foco, mas senti lacunas na parte pessoal e psicológica”.
E foi um acaso fortuito que o levou a encontrar o recém-criado espaço de co-working de Santo Tirso no verão de 2022. Ao Entre Margens, recorda ter que se deslocar a Famalicão para tratar de um recado, tendo passado o dia num espaço que, não sendo de co-working, havia pessoas a usá-lo como tal, no concelho vizinho.
“Ao fim do dia, quando saí, fiquei muito aborrecido por só existir algo do género em Famalicão. E quando estava à espera para outro compromisso, peguei no telemóvel, literalmente pesquisei co-working Santo Tirso e aparece este espaço”, reconta. “Penso que o site estava online há um mês e para além do José estava cá apenas a Lídia. Fui um early adopter”.
Atualmente, o Santo Thyrso Work Hub conta com seis pessoas regulares e lugar para catorze no total, num espaço que ao contrário dos similares dos grandes centros urbanos, não tem o foco nos “nómadas digitais”, mas sim nos locais. Ou seja, pessoas que vivendo em Santo Tirso e arredores, estejam à procura de um espaço para poderem trabalhar com todas as condições.
Negócio “inviável” com vantagens “intangíveis”
A pedra no charco que José Medeiros decidiu atirar na sua própria vida levou-o a avançar com a “imprudente” decisão de investir num espaço de co-working porque, como explica, todos os estudos e pesquisa que fez antes de avançar lhe diziam que não era “viável como negócio”.
“E provavelmente não o é”, admite, porque “nunca gerará muito lucro, mas tem outros benefícios completamente intangíveis”. Coisas simples como o contacto humano, a socialização, almoçar a meio do dia ou beber um copo ao fim da tarde, o commute curto que pode ser feito a pé ou acesso a um espaço com ar condicionado e pleno de luz natural. Para estas pessoas só há duas coisas inegociáveis para poderem trabalhar com qualidade: internet rápida que não falhe e salas de reuniões para fazer videochamadas. Tudo o resto é bónus.
“Um espaço destes acaba por ser simbólico do processo de mudança substancial pelo qual uma cidade como Santo Tirso está a passar, uma vez que começa a ter muita gente deste tipo de áreas”, aponta José Medeiros.
Aliás, Ivo Mirra não tem dúvidas ao afirmar que o espaço de co-working foi uma “revolução” na sua vida quotidiana. Também ele natural e residente de Santo Tirso, diz que vem trabalhar de trotinete elétrica e que dependendo do fluxo de trabalho consegue conciliar várias facetas da sua vida, adaptando os horários às tarefas que tem em mão.
“Tenho horários bastante diversos. Sou capaz de chegar muito cedo, fazer apenas a manhã aqui onde tenho dois ecrãs, estou mais concentrado, e termino a tarde em casa quando é necessário só ler ou rever o serviço”, esclarece, acrescentando que neste curto ano de existência já se criaram rotinas de comunidade interessantes. “Gosto de treinar à hora de almoço, mas só o facto de ter a possibilidade de poder almoçar acompanhado, faz toda a diferença. Conversar, dar uma gargalhada, podes até não falar, mas se olhares à tua volta e notares a presença humana, cria logo outra experiência”.
Experiência essa que o responsável pelo espaço não quer tornar caótica ou demasiado preenchida. Ao fim de um ano de atividade, depois de realizar todo o investimento, José Medeiros assume que o espaço “ainda está numa fase de crescimento” apesar de não ter feito publicidade até ao momento. E a justificação é simples:
“Eu trabalho aqui, este tem de ser um espaço agradável e tranquilo também por mim”, realça. “Pode parecer uma visão egoísta, mas sei que se for bom para mim, é bom para os clientes”.
Com uma comunidade de programadores e profissionais das áreas tecnológicas cada vez maior em Santo Tirso, o próximo passo a dar será tornar o Santo Thyrso Work Hub como ponto de encontro para estes profissionais, a começar pela organização de um conjunto de tertúlias, sendo que a primeira terá como tema a inteligência artificial.