ATUALIDADE DESPORTO

Desportivo das Aves 1930 regressa aos jogos oficiais já este domingo com um plantel e equipa técnica onde o que impera é a mística e o legado de quase 90 anos de história. O objetivo é devolver o clube ao patamar a que está habituado, etapa a etapa. 

A noite era de chuva. A passagem da tempestade Bárbara transformou um outono quase estival, onde apenas a descoloração das folhas deixava a entender a mudança de estação, para um cenário bem mais cinzento.

Os últimos meses do Desportivo das Aves assemelham-se a esta transformação, só que bem mais drástica e penosa. Do topo ao fundo numa questão de meses, o emblema que ganhara a Taça de Portugal apenas dois anos antes, inicia agora um processo de renascença a partir da mais baixa divisão distrital da AF Porto. Se a história da queda está contada, esta é agora uma história de renascimento, qual fénix mitológica. 

Não é casual a utilização da imagem da fénix, porque também como o ser que pontua a literatura universal desde tempos primordiais, o Desportivo das Aves está a utilizar o legado de um clube com quase 90 anos de história para alicerçar a recuperação e projetar o futuro.

Naquela terça-feira de tempestade, a nova equipa sénior do recém-criado Clube Desportivo das Aves 1930 subiu ao relvado do estádio pouco depois das 20 horas. As caras são na sua maioria conhecidas. Os cantos da casa não lhes são estranhos, muito menos o emblema que envergam. Foi esse o desígnio principal para a composição deste plantel que inicia este domingo, dia 25, a longa caminhada da nova era do Desportivo. O ADN avense. 

Os primeiros anúncios de atletas que viriam a compor o plantel que competirá na 2ª divisão distrital deram o mote. Marco Pinto, guarda-redes que integrou essa equipa vencedora da Taça, regressava ao clube onde criou raízes. Raízes essas que Pedro Grosso tem desde miúdo que dava pontapés na bola nos escalões de formação do clube e que representou enquanto sénior durante oito temporadas. 

Em conversa com o Entre Margens o médio defensivo natural de São Tomé de Negrelos admite que este momento envolve “muita nostalgia”. Quando as notícias de que o Aves iria recomeçar do zero, o ex-jogador avense afastado dos relvados há cinco anos e com a carreira como médico prestes a iniciar-se, pensou no que diria caso o seu telefone tocasse e lhe pedissem para regressar. 

“Se me ligarem o que vou dizer?”, relembrou. “Mal me ligaram não havia outra resposta a não ser sim. Dentro das minhas possibilidades, claro, quero ajudar.”

Grosso despediu-se do Aves há cinco anos, precisamente aquando das mudanças para a SAD. Regressa agora, quando “o Aves é novamente só o Aves”. Deixou o futebol para se concentrar no percurso académico e no curso de medicina que agora está a terminar, aguardando apenas o exame de especialidade para iniciar o ‘ano comum’ e entrar na profissão. 

Até janeiro, diz, estará a cem por cento. Depois disso, dependendo do hospital onde estiver colocado, dará o contributo que lhe for possível. “Vou trabalhar fins de semana, e os jogos são ao fim de semana, fazer noites quando os treinos são ao fim da tarde, mas no que puder ajudar estarei presente”, explica. 

Há um espírito de missão que percorre o balneário. Gente que perante as adversidades e a situação delicada do clube do coração, disse que sim à chamada. 

Bruno Alves será o responsável por comandar a equipa neste novo ciclo. Com percurso nas camadas jovens como jogador, foi em França que se iniciou enquanto treinador. É mais um daqueles com ADN avense. 

“Aceitei o convite porque virar as costas ao Aves é como virar as costas à minha família. Jamais! Principalmente num momento tao delicado quanto este”, revelou ao Entre Margens. 

De acordo com o técnico. “neste momento, no interior das instalações do Clube Desportivo das Aves trabalha-se numa direção só. Toda a gente está a trabalhar com um espírito de missão muito grande. Sentimos uma energia muito positiva. Respira-se Aves novamente”, rematou. 

À entrada da terceira semana de treinos, o plantel tem-se mostrado com grande capacidade de trabalho e perceção do que lhes é pedido. “Todos sabem por que estão cá, e todos sem exceção sabem o que querem”, aponta Bruno Alves.

O plantel para esta época tem uma mescla de veteranos de divisões superiores e jovens dos escalões de formação do Aves que pretende criar um laço geracional com o Aves como motivo comum.

João Pedroso tem apenas 17 anos, mas enverga a camisola do Desportivo desde os 4, percorrendo todos os escalões de formação com símbolo avense ao peito. O jovem defesa central, mostra-se ansioso por se estrear no plantel sénior, mesmo nestas circunstâncias.

“É um sentimento inexplicável”, diz. “As circunstâncias não retiram nada ao momento. É o Aves. E o Aves continua a ter a sua grandeza, independentemente da divisão em que jogue.”

O acolhimento não podia ter sido melhor e mais fácil entre o balneário. Tem figuras para quem olha como referências que o vão ajudar a crescer e há um ambiente muito familiar, porque são todos da terra. Conhecessem-se dos relvados e fora deles. 

Pedro Grosso passou por isso. E agora está do outro lado. “Ver os miúdos a aparecer e a lembrar-me daquilo eu senti, apesar da dimensão ser diferente, o sentimento é o mesmo. Um jovem da terra subir aos seniores no clube que gosta e vestir aquela camisola é especial. Estou aqui para ajudá-los a encontrar o caminho deles”, disse. 

Para o médio, estes dias têm sido de reencontro. Reencontro com amigos e colegas que agora partilham o balneário e reencontro com a forma física, já que nestes cinco anos desligou-se totalmente do futebol. 

“Fisicamente posso dizer que me cuidei. Sinto-me apto. É claro que esta primeira fase é a mais complicada no sentido de me reabituar aos hábitos e ao trabalho de campo. No entanto, para mim o mais interessante tem sido mais o regresso ao balneário, que é sempre a parte mais intensa das relações”, revela. 

Há muita ansiedade, o que é natural, mas há também uma grande seriedade na forma como os jogadores e equipa técnica têm abordado estes dias de preparação. “O Aves pesa muito, essa é a verdade, não vamos fugir disso, mas só pesa se não fizermos o que tem de ser feito. As pessoas têm muita ansiedade, mas estão muito sérias. Sabem da responsabilidade que é estar neste clube neste momento”, realça. 

Um sentimento que parece ser transversal. “Para abraçar um projeto destes temos mesmo que sentir o peso do clube. Estamos a representar o Aves, não é um clube qualquer”, sublinha João Pedroso. “Se não nos sentirmos com capacidade, mais vale não estarmos cá.”

Desafio também ele aliciante para Bruno Alves que tem sido encarado por si e por toda a equipa técnica “com o máximo de compromisso e seriedade”. 

Aliás, o treinador deixado rasgados elogios aqueles que “voltaram pelo orgulho e pela honra de representar o Aves”, reorganizando as suas vidas em torno do “muito tempo que o futebol rouba”. Este domingo, dá-se o pontapé de saída numa nova era. O futebol regressa à Vila das Aves despojado de artifícios, como se se tratasse de uma viagem no tempo a uma era onde futebol pertencia às comunidades. Que assim seja, porque o futebol é o deporto do povo.

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