Não conseguimos prever a economia do futuro. Não conseguimos avaliar com total precisão os efeitos da automação e da IA no mercado de trabalho. Mas há aspetos que podemos dar como garantidos.
Estamos num processo de ‘mudança acelerada’. Não sabemos se o número de postos de trabalho destruídos será maior do que o número de novos postos de trabalho criados, mas sabemos que uma parte substancial de tarefas e ocupações sofrerá alterações. Não sabemos se a maioria dos trabalhadores será substituída por robôs, mas sabemos que os custos de mobilidade laboral serão cada vez mais acentuados, e nem todos conseguirão acompanhar o ritmo. Não sabemos se trabalharemos, em média, menos horas, mas sabemos que a produtividade marginal por unidade de tempo de trabalho continuará a aumentar e que a tendência se acentuará.
Acima de tudo, o processo e os efeitos da automação dependerão do tipo de escolhas políticas adotadas. Uma das justificações que o governo dá para o novo pacote laboral que propõe (apesar de o ter omitido durante o período eleitoral) prende-se com a suposta necessidade de adaptar a lei laboral aos novos desafios que se avizinham para o mundo do trabalho, motivados pelo desenvolvimento tecnológico e da Inteligência Artificial. Estranhamente, nenhuma das medidas apresentadas parece ter sido concebida para lidar com esses desafios. Pelo contrário, potenciam os piores efeitos que deveríamos querer evitar.
Ao facilitar os despedimentos, a juntar a todos os problemas que acarreta, torna-se também mais fácil para um patrão substituir a mão de obra humana por mecanismos baseados em IA que desempenhem as mesmas funções. Ou seja, há risco de criar incentivos que conduzam ao desemprego tecnológico e que desequilibrem ainda mais as relações entre trabalho e capital.
Uma forma que tem sido amplamente discutida, e até testada, para tirar proveito das novas tecnologias em benefício de todos seria a redução da jornada de trabalho. O que, no limite, poderia granjear a redução da semana laboral de 5 para 4 dias. Se precisamos de menos trabalho humano para gerar a mesma produtividade, não é de excluir a hipótese de ser possível reduzir a jornada de trabalho e manter os rendimentos. Estranhamente (ou nem por isso), o novo pacote laboral vai no sentido contrário, o de permitir o aumento do número de horas de trabalho.
Além do problema do desemprego tecnológico, ao acentuar a precarização do mercado de trabalho (ou flexibilizar, em neoliberalês), o pacote laboral torna os trabalhadores mais expostos a novas formas de dominação algorítmica. Empresas como a Amazon já usam a IA para policiar o comportamento e o ritmo de trabalho dos seus funcionários. O algoritmo de plataforma como a Uber fez o mesmo aos seus condutores e estafetas, constituindo-se como um mecanismo de vigilância e de pressão sem rosto.
Os nossos desafios, potenciados pelo desenvolvimento tecnológico, que se avizinham da economia, recomendam que pensemos em novas formas de proteção social e novas maneiras de tornarmos as relações económicas mais horizontais e democráticas, de modo a distribuirmos os ganhos e as perdas equitativamente. Não é isso que o novo pacote laboral promove. Pelo contrário. Também não foi desenhado com esse propósito. Não é mais do que um projeto de classe, mistificado como um projeto para todos.
