[Editorial] A democracia na prática

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

Os resultados das últimas eleições legislativas são a expressão do processo democrático. As explicações e justificações dos resultados concretos de cada um dos partidos candidatos serão, certamente, motivo de análise e reflexão, com vista à participação em futuras eleições e ao desenvolvimento das atividades cívicas e políticas que fazem parte dos objetivos de cada uma das instituições, as quais, por sua vez, serão avaliadas em futuras eleições.

A maior surpresa dos resultados atrás referidos não terá sido a ascensão do partido Chega mas o colapso dos partidos de esquerda, no seu conjunto, começando pela eventual passagem do Partido Socialista a terceira força, o que acontecerá se se confirmar que os mandatos da emigração tenham distribuição semelhante à das eleições legislativas anteriores. Dos partidos ditos de esquerda, apenas o Livre conseguiu aumentar a votação e o número de mandatos.

No Partido Socialista, o resultado determinou a demissão de Pedro Nuno Santos de secretário geral, criando alguma preocupação sobre eventuais reflexos nas próximas eleições autárquicas. Já o resultado da coligação vencedora, a AD, embora de maior expressão que nas eleições anteriores, não garante que conduza à estabilidade que se argumentava essencial para a governação do país. O arranjo ou conjugação de forças no Parlamento pode conduzir a situações de crise.

O colapso das forças de esquerda originou a existência de uma maioria qualificada das restantes forças, isto é, uma maioria de dois terços, necessária para certo tipo de decisões. Não será, porém, legítimo o aproveitamento deste facto para provocar alterações constitucionais, já que ninguém as defendeu ou sequer referiu em campanha. Mas, mesmo assim, há alterações que merecem ser equacionadas, como aquela que já vigora nas eleições regionais dos Açores, a saber: a criação de um círculo nacional de compensação que valorize as centenas de milhares de votos literalmente perdidos, nomeadamente nos distritos que elegem poucos deputados, mas não só.

Outro aspeto que merece reflexão tem que ver com a aproximação entre eleitores e eleitos, no sentido de promover campanhas que promovam o conhecimento dos candidatos de cada círculo eleitoral, revertendo a crescente tendência para campanhas-espetáculo dos líderes partidários em detrimento do esclarecimento aprofundado de ideias e projetos.  Os eleitores acabam de escolher 230 deputados, mas só umas poucas dezenas deles alguma vez tiveram oportunidade de mostrar o que podem fazer por quem os elegeu. E muitos, se formos a ver, nunca demonstraram participação cívica saliente ou aptidões para realizar um serviço público.

A prática democrática deve, no essencial , assegurar que se consolide o sistema. O voto esclarecido terá de ter sempre em conta esta condição. Até porque se sente que a degradação do sistema democrático já está em marcha em países que têm sido modelo de equilíbrio e de regulação.

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