Ditou a história que as celebrações do nascimento de um Menino, natural do Médio Oriente, fossem o sinónimo da paz e do aconchego do lar, da oferta de presentes e, mais recentemente, da febre consumista dos países ocidentais. Esse Menino cresceu treinando a arte de bem falar e seguiu o ofício de profeta, uma profissão com profundas raízes no Crescente Fértil e arredores. Na realidade, pelo menos, desde o século XVIII a.C., que, na Mesopotâmia, muito antes das escrituras do Antigo Testamento, já por aí se encontravam profetas, mais concretamente em Mari, uma cidade-estado semítica, situada junto ao rio Eufrates, atual Tel Hariri, na Síria. Os grandes estados e a as grandes civilizações dos territórios desse levante, produziram um elevado número de profetas e religiões.
Outra das riquezas com que o destino divino prendou boa parte das populações das terras do Tigre e do Eufrates, foi o seu subsolo, rico em petróleo, a maior graça com que um Deus pode brindar uma nação… Tal benesse trouxe consigo a capacidade extraordinária de muitos destes países reviverem, constantemente, os evangelhos crísticos do Novo Testamento. A cada ano que passa, por lá, nascem novos “Messias”, presenteados com ricas ofertas de armamento de reis magos de todos os continentes. Nos seus “Autos de Natal”, os atores destas “Epifanias” têm interpretado com obstinação o realismo dos sagrados evangelhos, sem nunca esquecer uma boa “Matança dos Inocentes” e as consequentes “Fugas para o Egito” de milhões de pessoas.
O governo sírio caiu e, com ele, um aliado da Rússia e do Irão. Se o novo líder de Damasco (só da capital e não do território sírio) irá gastar as suas “30 moedas” em armas, não sabemos. Neste momento, o Ocidente abre o champagne e comemora a “Entrada em Jerusalém” deste “Salvatori Mundi”, uma prenda no sapatinho petrolífero do Natal 2024. Al-Julani, o novo “Messias” deste movimento “Libertador”, é um fundador do ramo sírio da Al Qaeda – a Al-Nusra – e um veterano da Guerra do Iraque e da guerra civil do seu país. Devido à sua militância ardente, em nome de Deus, o Departamento de Estado dos EUA ainda oferece um prémio de 10 milhões de dólares pela sua cabeça. Apesar disso, o atual líder presidencial norte-americano, Joe Biden, considerou o momento como “uma oportunidade histórica”. E é, já que os EUA mantêm o controle de um terço do país, com os seus campos de petróleo, sanções económicas e bombardeamentos. Trump, que tomará posse em janeiro, certamente que não perderá esta “oportunidade” para expulsar todos os “vendilhões do templo” da Síria.
O Herodes do momento, Bashar al-Assad, recuou e refugiou-se, confortavelmente, em Moscovo. Sem demora, a Rússia e o Irão, depois de terem distribuído pelo povo sírio milhares de bombas caídas do céu – como quem oferece “Estrelas de Belém” – já marcaram a cerimónia de um “Lava-Pés” aos novos líderes de Damasco. Assim, o Kremlin negoceia agora a continuidade das duas bases militares que possui no país enquanto Teerão tenta manter a embaixada e os investimentos avultados que fez na Síria.
A par disto, o líder da nação das terras abraâmicas de Canaã, Benjamin Netanyahu, imbuído no espírito das “Prefigurações do Calvário” do Velho Testamento, não perdeu tempo e, prontamente, bombardeou as frotas naval e a aérea sírias. É que não vá o Estado Sírio tornar-se num estado terrorista e sanguinário, capaz de violar os Direitos Humanos das populações dos territórios administrados e ocupados por Israel, cujos governos democráticos tão bem amparam desde 1948. Aliás, imbuída neste espírito de oportunidade securitária, a administração israelita tenciona agora duplicar a sua população nos Montes Golã, uma área de território sírio ocupada em 1967.
Por outro lado, a Turquia – um estado protegido pela aliança defensiva da NATO, cujo principal objetivo é garantir a defesa dos territórios e populações dos seus países membros – invadiu e ocupou, mais uma vez, o território deste país. O objetivo de Ancara não é “Lavar as Mãos como Pilatos”. É antes sujá-las com sangue para destruir os territórios e as pretensões das populações curdas e das Forças Democráticas Sírias (FDS) que representam boa parte das minorias deste país. Recep Erdogan tem achaques graves, só em pensar que o Curdistão, um dia, possa ser independente. Por causa disto, a Turquia manipula e opera, quanto pode, a Guerra Civil Síria, recorrendo a armamentos ocidentais. E vai continuar a fazê-lo. Acontece que, nesta guerra civil, o FDS também tem o apoio político, logístico e militar dos EUA e dos principais países a UE. O progressismo das suas alas, que até mulheres militares incluem, fazem com que seja enaltecido e considerado, pelo Ocidente, um partido vanguardista no contexto do mundo árabe. Contudo, em 2019, o FDS, depois de combater o Estado Islâmico e o exército de Al-Assad, foi abandonado à sua sorte pelo mesmo Ocidente, quando Donald Trump anunciou que “derrotou” o ISIS na Síria. Não obstante, muitos dos seguidores de Al-Julani, que agora “libertaram” Damasco, são os mesmos que em 2019 integravam esse mesmo ISIS.
Entre as verdades de islamitas, cristãos e judeus, a Síria continua um inferno.