Nos últimos meses, de vez em quando, através dos meios de comunicação social, têm vindo à tona os estudos de perceção. Genericamente, entende-se que são um meio de tentar analisar o modo como o comportamento, de um grupo de indivíduos, é sustentado por impressões sensoriais que acabam por construir uma determinada verdade, mas que nem sempre corresponde à realidade.
Ao longo dos séculos, os contos de tradição oral, o teatro, a literatura, os manuais escolares e outros, em maior ou menor grau, manipularam as perceções individuais e coletivas. Muitas vezes, tinham o condão de espoletar o medo, criando monstros e preconceitos, consoante o interesse das narrativas, em especial a existência de inimigos da nação, da religião católica e da conduta moral. Veja-se o exemplo das cantigas dos cegos pedintes, de um passado não muito distante, ainda na memória dos mais velhos: no final das suas modinhas de cordel, depois de cantados os versos que explanavam, meticulosamente, as crueldades de uma batalha, o martírio de um santo ou uma boa história de um crime passional, cantavam igualmente as quadras finais, que continham diversos ditames morais sobre os comportamentos impróprios dos “inimigos da pátria”, dos “infiéis” e dos “criminosos”. Estes versos, do desenlace da história, embelezavam assim os cenários das lutas patrióticas e da piedade missionária, perante o “outro”, hostil e bárbaro, colocando-o na categoria do criminoso, difundindo assim, através da manipulação do medo, o pânico moral.

Se as historinhas da cosmovisão de um mundo iletrado, supersticioso e demasiado religioso, podem fazer rir alguns, por muito que isto nos possa causar estranheza, hoje, o cenário é analogamente inferior. Piores do que os cegos músicos, estas historietas aparecem-nos agora, a toda a hora, vindas dos lados mais obscuros da política do egoísmo, ditando o racismo e a destruição do aparelho coletivo e humanista do Estado Social. As novelas de “faca e alguidar”, em vez de serem cantadas em verso, em dia de feira, atualmente, constituem um enxame de algoritmos que persegue as nossas cabeças nas redes sociais. E nós, hospedeiros destes enxames que nos rodeiam, apesar de sabermos que esses algoritmos possuem um objetivo bastante preciso, temos sempre a perceção que os mesmos são aleatórios, vagos e sem propósito. Não raras vezes, ainda admitimos que aquilo que as redes sociais nos vendem é resultado dos “likes” mais populares do dia, ou de coisa assim parecida, acreditando que, nestes sítios, há uma liberdade que resulta da livre expressão total.
Cada vez mais é sabido que as proprietárias das redes, ao não controlarem a inúmera desinformação, estimulam o desastre. E isso favorece-as, porque o lucro também está na autonomia do algoritmo. Esta “liberdade da vida algorítmica” dá-nos a perceção de que muita gente vê os seus conteúdos devido à curiosidade bizarra. Só que não é bem isso que acontece. De forma a segurar os seus utilizadores, as redes sociais estimulam recomendações para novos links, de conteúdos que aguçam apetites que vão sendo, gradualmente, extremados, alimentados por uma percentagem brutal de perfis falsos que publicam, diariamente, mentiras e discursos de ódio virais que, ainda há poucos anos, no mundo político, eram desprezados e postos de parte. Muitos destes utilizadores, além de concordarem com o lixo, foram mesmo convencidos de que está para vir a transformação político-social da sua nação, baseada numa exemplaridade excecional. Como se os novos partidos de cada país não fossem constituídos pelos seus próprios cidadãos. Aliás, no século passado, todas as grandes ideologias ditatoriais enalteceram-se com discursos de jovialidade, apregoando o renascimento político do “Homem Novo”, do “Estado Novo” ou de um “Mundo Novo”. Infelizmente, numa fase inicial, as populações tiveram a perceção de que estas paródias propagandísticas iam ser mesmo verdade…