[Crónica] Toquem a Marselhesa em vez da TINA

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

“Quem não for neoliberal é extremista”, é a tese que subjaz à comunicação política dos dias que correm. Obviamente não é expressa de forma tão explícita, mas é o corolário lógico das apreciações políticas predominantes na comunicação mainstream. Se a tese não é afirmada pela positiva, é afirmada pele negativa, por tudo o que se exclui em sua alternativa.

Tudo que se desvie do quadro neoliberal, a mínima medida social, é depressa apresentado como “extremista”, “soviético”, “estalinista”, “ineficiente”, e por aí adiante.

A tentativa de fazer coincidir “neoliberalismo” com bom senso é no mínimo paradoxal.

Em primeiro lugar, o neoliberalismo é em si mesmo um projeto radical, por vezes revolucionário, que se propõe a desestruturar a esfera social e política e deslocá-las das instâncias democráticas para o mercado.

Em segundo, já temos anos e estudos suficientes para concluir com toda a certeza que este projeto ideológico falhou retumbantemente na sua promessa de crescimento e prosperidade partilhada (o trickle-down). As reformas “liberalizadoras” que têm sido tomadas desde o início dos anos 80 trouxeram, no seu lugar, a estagnação secular, crises cíclicas (como a de 2008), e níveis recorde de desigualdade (nas suas várias aceções). Em suma, crescemos pouco e o pouco que cresce não vem para baixo, ficando nas mãos de quem está confortavelmente em cima.

Em terceiro, o que “funciona e faz falta” que os “liberais” tanto apregoam como prova histórica do suposto sucesso das suas políticas, são na verdade os triunfos históricos do socialismo democrático. Por alguma razão eles falam em “países liberais” (vs socialistas) sem que denominem nenhuma medida política em concreto (ou fazem-no, mas sem que haja correspondência entre a medida que propõem e a sua implementação num desses lugares).

Por outras palavras, os 30 anos gloriosos só foram possíveis graças a Estados Sociais fortes e movimentos sociais pujantes. Nem nos capitalistas EUA havia, nesse tempo, taxas de IRS planas, bem pelo contrário.

O passado dos “liberais” nunca existiu, mas eles precisam dele. Caso contrário teríamos de escrutinar a qualidade das suas políticas. Teríamos de avaliar as suas falhas, e a injustiças sociais que dela decorrem. Obrigar-nos-ia a compreender as assimetrias de interesses na distribuição de encargos e benefícios que o sistema privilegia entre os diferentes estratos socioeconómicos.

Os “liberais” precisam que acreditemos que por muitos defeitos que tenha aquilo que propõem, todo e qualquer desvio desta matriz significaria um trajeto inexorável até à Coreia do Norte. É a velha tese do Hayek, é a TINA (There Is No Alternative) da Thatcher.

O que os liberais não perceberam foi que demonização caricatural do socialismo não fez com que os sentimentos de descontentamento e impotência diminuíssem, e a extrema-direita avistou aí a sua grande oportunidade de os acolher.

Contra este ambiente inóspito, a esquerda francesa mostrou que uma verdadeira alternativa é possível, e acabou por salvar o dia. É um novo grito de esperança, e uma oportunidade para a esquerda europeia se refundar. Só assim se combate a extrema-direita. Com alternativas! Mas os “liberais”, pela reação destes à vitória da Frente Popular, ainda não perceberam isso. Não podem, ficariam sem programa.

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