Na passada sexta-feira, dia 3 de maio, vários imigrantes, de nacionalidade argelina, marroquina e venezuelana, foram atacados por uma milícia na cidade do Porto. No Bonfim, um grupo, armado com bastões, armas brancas e uma pistola, entrou na habitação onde vivem trinta magrebinos, proferiu insultos racistas, destruiu mobiliário e espancou os seus moradores. Uma das vítimas, para fugir, atirou-se do primeiro andar e fraturou um braço e uma perna. Nessa mesma noite, houve outros dois ataques em plena rua, também dirigidos a trabalhadores oriundos do Magreb, que incluíram um ataque a uma loja de kebab e o linchamento de um marroquino, resultando na detenção de um suspeito que tinha, em sua posse, um bastão, um passa-montanhas e o telemóvel de um dos agredidos.
Os fenómenos de violência por ódio racial não são de agora. São tão antigos como a humanidade, e, ao longo do tempo, originaram inúmeros conflitos e mortos pelo mundo. São fruto da mais primitiva visceralidade que o Homem teima em usar contra si próprio. Em Portugal, por exemplo, no século XIX, os visados eram os oriundos da Galiza. Na atualidade, na memória dos mais atentos, ainda estão presentes os ataques, perpetrados pelas ações de rua dos skinheads, iniciados na década de 1980, em especial em Lisboa e no Porto, que culminaram em inúmeros feridos e nas mortes de José Carvalho (1989) e Alcino Monteiro (1995). Nesse período, Santo Tirso chegou a ter um núcleo skinhead com alguma expressão para a pequena dimensão do contexto local. À época, este movimento, importado de Inglaterra, onde se formou, ganhava força de rua. A moda da Europa racista de então, era estar associada a claques de futebol e atacar pessoas, e respetivos bens, oriundas da África subsariana. Hoje, dirigem-se, cada vez mais, a imigrantes muçulmanos e aos oriundos do sudoeste asiático.
Alguns setores da nossa sociedade tentaram relacionar (ou desculpar) o ataque do Porto com um conjunto de assaltos ocorridos na cidade. No entanto, além das vítimas não terem qualquer cadastro criminal e de já haver sete suspeitos detidos por atos relacionados com esses assaltos, esses setores sabem que ninguém pode estar acima da Lei ao cometer (in)justiça pelas próprias mãos. No fundo, no fundo, todos sabemos que querem é espoletar o medo racial e estabelecer a relação falaciosa da imigração com a insegurança. O método é o mesmo nos discursos dos políticos racistas de todo o mundo.
Infelizmente, de há algum tempo para cá, receia-se que casos como este comecem a surgir na sociedade portuguesa. De facto, os atos, os discursos e as banalidades proferidos sobre a imigração, por alguns setores mais conservadores e pela direita radical, pejados de linguagem malcuidada, mentiras e preconceitos, têm dado asas à afirmação pública das políticas de supremacia racial da extrema-direita. Quando discursos racistas e palavras de ordem anti-imigração surgem no parlamento, na voz dos políticos, nos programas partidários, nos meios de comunicação e nas redes sociais, é expectável que venham a existir ações de rua consumadas pelo pragmatismo dos seus braços armados. Conforme refere o velho ditado popular, “quando se declara a guerra, o Diabo alarga logo o inferno”. Lamentavelmente, nestes casos, por norma, o nível de hipocrisia tem um desenlace: todos os que, numa fase inicial, vociferaram e “declararam a guerra”, são os primeiros a vir a público condenar a violência da rua para, depois, recolherem, descansadamente, ao conforto das suas casas.