[Opinião] O país que queremos

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No ano em que passam 50 anos desde a madrugada que esperávamos, “o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio” (Sophia de Mello Breyner Andresen, 1977) temos que dar poder à esperança, para que abril possa ser vivido e celebrado, em liberdade e paz social. Nessa madrugada emergimos de um país cinzento, pobre, “orgulhosamente só”, com taxas de analfabetismo e de mortalidade infantil alarmantes à época. Saímos dessa longa “noite”, para acordarmos para um Portugal democrático, progressista, com uma taxa de analfabetismo próxima do zero e uma esperança média de vida sempre a crescer.

Apesar disso, um país onde as desigualdades sociais persistem, minado pela corrupção, onde a alguns problemas do passado, se juntaram outros, como a degradação ambiental, a precariedade laboral, a especulação imobiliária, agora agravados pela ameaça da subida ao poder de forças obscuras e obscurantistas, que nos querem fazer recuar ao tempo da escravidão e da subserviência.

Temos que dar poder à esperança, não nos deixar enganar por quem diz que “antigamente é que era bom”, pelos que gostavam de ver perpetuada uma ordem social em que a aspiração a uma vida digna só estava ao alcance de uns poucos, privilegiados, “bem nascidos”, em que o raio de ação das mulheres estava confinado ao espaço doméstico, em que direitos, liberdades e garantias eram uma miragem para a maioria da população.

Não, antigamente não era bom. Ou melhor, só era bom para alguns, poucos. Não é com soluções do passado que se resolvem os problemas do presente e do futuro, recheados de conflitos e de ameaças; não nos deixemos enganar, sabemos que é decisivo apostar mais fortemente numa política de valorização do trabalho, sabemos que é precisa uma maior aposta no investimento público que assegure a sustentabilidade do Estado Social.

Cinquenta anos não nos chegaram para fazer toda a revolução. O Serviço Nacional de Saúde, uma das mais importantes conquistas de abril, é constantemente ameaçado pela ânsia de tudo privatizar. Como a saúde, também a educação e a segurança social estão na mira de quem confunde e procura confundir liberdade com liberalismo, quem acha que “o mercado resolve”. Veja-se como o mercado tem resolvido o problema da habitação. Abril colocou na Constituição o direito à habitação, mas em Portugal, apenas 2% da habitação é pública. Erradamente, os recursos públicos para a habitação concentraram-se ao longo de décadas na bonificação dos juros do crédito e no incentivo à aquisição de casa própria, persistem bairros degradados e más condições de habitabilidade para milhares de pessoas, o mercado de habitação é especulativo, não responde às necessidades, expulsa moradores das áreas centrais das cidades cada vez mais gentrificadas. O mercado não resolve o problema das pessoas. Somos todos nós que temos que resolver, criando resposta pública a esses problemas. Precisamos de investimento público na construção e reabilitação de habitação, com critérios de eficiência energética e com garantia de rendas sociais e rendas controladas.

Fortalecer a democracia é combater a precariedade na habitação, no trabalho, no acesso à saúde, à cultura e à educação, é reconstruir os serviços públicos e os direitos laborais. Não nos deixemos enganar por quem nos quer levar de volta ao passado. É preciso dar poder à esperança, pois só com ela se constrói futuro, se constrói o país que queremos, com quem cá vive e com quem cá trabalha. Com uma vida boa para todos.

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