[Opinião] Nas cantinas escolares, a precariedade

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

Desde o início do ano letivo que se multiplicam ações de luta das trabalhadoras das cantinas escolares no concelho de Santo Tirso. A extrema precariedade das suas condições de trabalho e seus aspetos nocivos ao bem-estar, exigem uma menção especial.

Como se sabe, a C. M. de Santo Tirso tem optado por concessionar o serviço de refeições das cantinas escolares. A exemplo do que ocorre em outras concessões, impera na empresa o modelo retrógrado que obriga a que se trabalhe cada vez mais, em menos tempo e com menor custo. Está à vista o resultado dessa política.

Em cantinas que devem confecionar dezenas e centenas de refeições, algumas cozinheiras não têm horários completos, recebendo apenas por cinco ou sete horas diárias de trabalho. As empregadas de refeitório (maioria das trabalhadoras) são contratadas com cargas horárias de uma, duas e três horas diárias. Ou seja, recebem para pagar o almoço e o transporte, e por vezes não chega para tanto. Como frequentemente as horas são insuficientes para a limpeza integral dos refeitórios e lavagem das louças, tais funções são acumuladas pelas cozinheiras que servem de pau para toda a colher. De facto, além da preparação e confeção de todos os alimentos, ainda são obrigadas a limpar e higienizar os locais e linhas de empratamento, a lavar talheres, louças, recipientes, arcas frigoríficas, a armazenar e requisitar os bens alimentares, e até a servir de motorista. Dessa forma, a falta de pessoal a tempo completo, obrigam a uma ginástica sem fim que dificulta, e muito, o seu trabalho de preparação e confeção das refeições. Verifica-se aindaque grande parte das trabalhadoras são contratadas pelas categorias mais baixas e depois obrigadas a fazer funções de outra categoria cujo vencimento é superior. Assim é o caso das empregadas de refeitório, que exercem funções de preparadoras de refeições, pois todas os dias ajudam as cozinheiras preparando legumes, peixes, carnes, e outros alimentos.

Vale destacar também que quase todas as trabalhadoras são contratadas no início do ano letivo, em Setembro, sendo depois despedidas no final, no mês de Julho. Esta é a realidade de dezenas de trabalhadoras que vivem nesta situação há mais de 5, 10 e 20 anos. Sendo que muitas não têm direito ao subsídio de desemprego nos períodos em que não trabalham (Julho e Agosto) por não terem os dias de descontos necessários (365 dias nos últimos dois anos).

Portanto, uma realidade que se resume a anos a fio de ritmos intensos de trabalho, de baixos salários, de quase pagar para trabalhar, de horários incompletos, de incerteza de contratação no ano letivo seguinte. Levando-se em conta esses factos, convém lembrar que a C. M. de Santo Tirso tem sido cúmplice desta indignidade. Além da opção errada na concessão, não tem exigido a contratação de trabalhadores permanentes e, por sua vez, prevê nos cadernos de encargos horários incompletos (2/3 horas diárias) e categorias profissionais desadequadas face às funções efetivamente exercidas, permitindo o pagamento de salários mais baixos do que os devidos.  

Cada vez mais evidenciam-se as injustiças sociais que subsistem entre nós e que, as mais das vezes, haviam sido relegadas à invisibilidade. Se existiu lição a retirar da pandemia, é que para transformar a sociedade desigual em que vivemos temos de evitar que aqueles que hoje são essenciais, como as trabalhadoras das cantinas escolares, não voltem a ser descartáveis. Quem é indispensável para garantir refeições com qualidade nas escolas e, assim, contribuir para um crescimento saudável das crianças e dos jovens, deve usufruir de um emprego estável e seguro, com horários completos e salários dignos.

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