O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, foi atingido com tinta verde, por parte de duas ativistas pelo clima. O acontecimento motivou um intenso debate acerca dos limites razoáveis do direito à manifestação, e da adequação, ou falta dela, do recurso à desobediência civil no âmbito de um Estado de Direito democrático.
A crónica deste mês não será sobre isso. Refiro-o apenas porque a associação entre “tinta” e “ambiente” traz-me reminiscências.
Por outras palavras, recordou-me de um crime ambiental e de outra tinta.
Nos anos da minha infância o Rio Vizela tinha o estranho hábito de mudar de cor de semana para a semana. Apelido de “estranho” porque, tanto quanto sei, o rio não partilha o dom dos polvos.
Nas margens do Rio Vizela floresceu, desde o século XIX, a Indústria Têxtil, tornando-se o grande motor económico da zona. À volta das fábricas surgiram aglomerados de pessoas e infraestruturas que marcam até hoje a identidade da cidade e das vilas e freguesias do Concelho. Granjearam o sustento da população, mas também muitas vezes o sofrimento (pelas condições de trabalho, e pelo desemprego nos momentos de crise do sector).
Entre encargos e benefícios, há, infelizmente, uma externalidade negativa à qual ainda não conseguimos fugir. Falo do nosso rio (podia falar em todo o Ave, do qual o Vizela é afluente).
O Rio Vizela foi poluído e parte da sua biodiversidade irreversivelmente destruída. É certo que o seu estado melhorou bastante, mas ainda não podemos considerá-lo são. Continuamos impossibilitados de usufruir plenamente da sua água. Desfrutamos dos parques urbanos edificados em seu torno, mas deparamo-nos com ele – o rio – como uma barreira.
A minha geração simplesmente aceitou, desde a infância, o Rio Vizela como um rio proibido. Podemos andar quilómetros, até ao ermal ou ao Gerês, por um mergulho, mas resignamo-nos ao facto de nunca podermos fazê-lo no nosso rio. Mataram-no, mas o responsável é, aparentemente, difuso e consequentemente inimputável.
A economia é fundamental, mas há outros valores a considerar. A emergência climática com que hoje nos deparamos revela-nos que não teremos salvação caso não consigamos harmonizar a produção à preservação ambiental. O estado do Rio Vizela demonstra-nos que faltou à política do passado essa preocupação.
Ainda será possível salvar o nosso rio?