A direita e os comentadores ao seu serviço têm elegido a redução dos impostos como solução milagrosa para todos os problemas do país. Assistimos a intermináveis discussões que se centram na redução dos impostos como forma de combater a nossa estagnação crónica, embora raramente a discussão se concentre em que impostos devem ser aumentados ou reduzidos, de modo a assegurar uma maior justiça fiscal. A abstração da discussão e a utilização de conceitos ambíguos como a “carga fiscal”, visa precisamente ocultar as dimensões de classe dessas políticas, bem como a função redistributiva que deve presidir ao sistema fiscal. Importa recordar que o nº1 do artº 103 da CRP dispõe que “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.
Porém, o que caracteriza o sistema fiscal português é uma política de favorecimento do capital e de penalização dos salários. Ainda recentemente, um relatório da OCDE concluía que Portugal é o terceiro país (da OCDE) onde o capital é mais favorecido em detrimento do trabalho, o que salta à vista no modo como o rendimento é tributado. Comecemos por salientar que os rendimentos sujeitos a IRS são divididos em dois grandes conjuntos: um constituído pelos rendimentos do trabalho e pensões sujeitos a taxas que variam entre 14,5% e 48%, e o outro composto pelos rendimentos do capital e propriedade (juros, lucros, mais valias, rendas) a que se aplicam taxas fixas em que a mais elevada é de 28%. Ou seja, quem trabalha paga mais em impostos e contribuições do que quem vive de rendimentos, incentivando-se a especulação (ex. mais-valias) e a exploração do trabalho (rendimentos de Capital e de propriedade).
Situação semelhante verifica-se em relação à tributação das empresas (especialmente das grandes), em que os lucros dos acionistas beneficiam de múltiplos benefícios fiscais e isenções. Se tivermos em conta os impostos diretos, constata-se que a receita do IRS (rendimentos de trabalho e pensões) representa cerca de 70% da receita destes impostos, enquanto a receita que tem como origem o IRC (lucros das empresas), corresponde apenas a 30% das receitas dos impostos diretos. Por sua vez, os lucros transferidos das multinacionais que operam em Portugal para paraísos fiscais tem vindo a aumentar (de 2,6 mil milhões em 2015 para 3,4 mil milhões em 2019), o que corresponde a perdas anuais de centenas de milhões de euros de receita fiscal.
Além de um sistema que favorece o capital em detrimento do trabalho, ainda subsiste uma total discriminação contra quem aqui trabalha e trabalhou uma vida inteira, privilegiando os residentes não habituais. Por exemplo, os pensionistas estrangeiros (não residentes) beneficiam de taxas máxima de tributação de 10%, enquanto os restantes pensionistas suportam taxas que variam entre 14,5% e 48%.
Confrontados com este sistema desenhado ao sabor do capital e de quem aufere mais rendimentos, o que se exige é uma política fiscal mais justa, que garanta a tributação mais adequada dos lucros e que desagrave os impostos pagos pelos trabalhadores, pelos pensionistas e pela generalidade da população. É isso que o PCP tem vindo a propor, com a descida do IRS para a larga maioria; o fim do regime fiscal de privilégio atribuído aos residentes não-habituais; o englobamento obrigatório para rendimentos do mais elevado escalão de IRS; a efetiva tributação dos lucros aqui realizados; a reposição do IVA de 23% para 6% na eletricidade. O que têm merecido a rejeição por parte da santa aliança dos grupos económicos (PS, PSD, IL e CH), mostrando que a sua “indignação” com os impostos da maioria da população é meramente oportunista.