O livro “Alexandra Alpha” de José Cardoso Pires tem uma descrição maravilhosa dos acontecimentos que perfizeram o nosso 25 de abril. Terminei o livro na mesma semana em que a vice-presidente da Assembleia da República, Edite Estrela, foi insultada, em plena casa da democracia, pelo grupo parlamentar do Chega. Que contraste!
Quase meio século após a Revolução dos Cravos, há um grupo parlamentar que não se revê nela e em tudo aquilo que esta trouxe. Há um grupo parlamentar que não partilha da alegria de um povo, personificada por Alexandra no livro de José Cardoso Pires.
O autor já nos tinha alertado para o desejo revanchista, porém estéril à data do acontecimento, daqueles que se julgando detentores do poder absoluto se viram de um dia para o outro devolvidos à sua mediocridade.
Hoje estes, ou melhor, os seus herdeiros, entram pela porta da frente da AR. Um dos paradoxos da democracia é o de possibilitar que até os seus próprios inimigos sejam eleitos para os seus assentos. O de poder usar a liberdade para votar em quem não nos quer livres. Não é caso único, nem no presente, nem no passado.
É muito difícil persuadir as pessoas a estarem tanto tempo de alerta perante um perigo cujos dano nunca presenciaram. O fenómeno anti-vacinas é ilustrativo. Ao viverem num mundo praticamente sem tétano e outras maleitas, em virtude das vacinas, algumas pessoas depreenderam erradamente que esta seria a ordem natural das coisas, e, portanto, as vacinas não seriam necessárias.
Receio que algo de semelhante aconteça com uma parte do eleitorado da extrema-direita, não especificamente em Portugal, mas em todas as democracias ocidentais. Como estas pessoas viveram sempre em liberdade, e, portanto, nunca experienciam os danos da sua privação, interiorizam as liberdades fundamentais que gozam enquanto padrão imutável. Por conseguinte, caem na armadilha de intuir a sua imunidade perante toda e qualquer mudança política que possa vir a ocorrer. Infelizmente a História mostra-nos o contrário.
A História não segue necessariamente um progresso linear, do melhor para o pior. Faz-se de avanços e recuos. Logo, as mudanças, por si só, podem não trazer o melhor. A democracia dá-nos, ao contrário de todos os outros regimes, o fantástico poder de controlar, através das nossas escolhas, uma parte não negligenciável desses avanços e recuos. Se entregarmos este poder àqueles que atentam contra ela, o mais provável é perdê-lo juntamente com todas as outras liberdades que tanto apreciamos.
E aí não temos como saber se haverá uma nova manhã de primavera que o restitua. Tivemos a sorte (sorte é a palavra) dessa primavera de 74. Preservemo-la!
25 de abril sempre!