Custos da construção e impostos sobre o imobiliário afetam a rentabilidade dos investimentos em habitação nos seus mais variados níveis. Vila das Aves foi a freguesia que menos cresceu em termos de edifícios na última década em todo o concelho.
Ao vasculhar os dados dos Censos de 2021 relativamente à habitação, é possível traçar um cenário muito fidedigno sobre o estado dos edifícios e o histórico de crescimento de Vila das Aves. De acordo com o relatório disponibilizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), grande parte da malha habitacional urbana foi construída entre 1961 e 1980, um ‘boom’ que se foi prolongando pelas décadas imediatamente seguintes, 81-90 e 91-00. A partir da entrada do novo milénio caiu de forma sustentada, facto especialmente evidente na segunda década do século XXI.
É, portanto, natural que o parque habitacional de Vila das Aves esteja na sua grande maioria envelhecido, algo também possível de analisar recorrendo aos dados dos Censos 2021, revelando que a proporção de edifícios com necessidade de reparação cresceu 23,9% numa década, enquanto o crescimento da nova habitação se fixou por valores residuais.
Vila das Aves é mesmo a freguesia de todo o concelho que menos cresceu quando se fala da taxa de variação do número de edifícios, apresentando um saldo positivo de apenas 0,7%. Na União de Freguesias onde está inserida a cidade sede, por exemplo, os Censos revelam um crescimento de 3,5%, enquanto no vale do Leça, os territórios mais próximos dos limites do anel urbano do Porto, Agrela e Água Longa, apresentam crescimentos de 8,1% e 4,5%.
As tipologias são obviamente distintas, no entanto para uma freguesia de perfil iminentemente urbano, a segunda década do século XXI caracterizou-se por uma estagnação evidente cujos efeitos se fazem sentir em pleno 2023.
Com a crise de habitação à flor da pele, mesmo com as intenções de Estado central, autarquias e o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o mercado habitacional encontra-se num “colete de forças” difícil de se libertar.
“Bastava que o AIMI (Adicional ao IMI) não fosse cobrado sobre prédios para arrendamento para tornar os investimentos rentáveis”
Não há soluções milagrosas
Um passeio pela baixa de Vila das Aves coloca a nu uma das vertentes que pode ser explorada: a reabilitação urbana. Há um exemplo bem à vista de todos, o emblemático edifício da esquina do mercado, hoje totalmente recuperado, tem os sete apartamentos pensados para arrendamento, totalmente preenchidos. Poderá ser esta uma das chaves para atacar o problema? Até ao momento, não parece haver muito interesse nesta aposta em pura reabilitação urbana, mesmo com oportunidades que há vista desarmada podem parecer óbvias.
Terrenos disponíveis. Prédios devolutos ou muito danificados. Oportunidades de investimento. Vantagens que podem ser desvantagens. Por uma razão ou por outra, Vila das Aves parece ficar presa num mundo de possibilidades e intenções por cumprir.
Atualmente proprietários de 67 apartamentos para arrendamento completamente lotados e com uma lista de espera que ascende às quatro dezenas, a família Almeida, representada por Nuno e Susana, pintam um cenário difícil de navegar, não só para quem procura casa, como para quem quer investir.
“Há duas conversas distintas com um fator comum: a escalada do preço da construção”, começa por apontar Susana Almeida, gestora do património imobiliário da família. “Se estivermos a falar do mercado de arrendamento, acresce outro problema que são os impostos”.
Entre IMI, AIMI e IRS, diz que cinquenta por cento do que recebe vai para o Estado em impostos diretos. Dentro de todo este leque fiscal, o mais difícil de engolir é o AIMI (adicional ao IMI) que, inicialmente se pretendia que fosse um imposto de selo sobre bens de luxo, mas que na verdade agrava entre 0,7% e 1,5% o património superior a 600 mil euros. Ora, basta um prédio, nem precisa de ser muito grande, para atingir esse valor. E o “mais inacreditável” é que o AIMI é cobrado apenas sobre a habitação, ou seja, as lojas não pagam.
“Bastava que o AIMI não fosse cobrado sobre prédios para arrendamento para tornar os investimentos rentáveis. Se estivéssemos no Porto, não me preocupava com o AIMI, mas em Vila das Aves, com um coeficiente de localização igual ao de Braga que inflaciona 20% o valor de um imóvel, não podemos cobrar rendas a esse nível”, explica.
E não é por falta de projetos ou sequer de vontade de investir que as coisas não acontecem. É tudo uma questão de rentabilidade dos investimentos que se possam ter em vista. Um exemplo muito prático. A antiga casa onde o pai, Armando Almeida, viveu, na rua Augusto Marques, está devoluta e a família tem um projeto para a construção de um prédio com 15 apartamentos pensados para o mercado de arrendamento.
Um investimento avaliado em 1,5 milhões de euros, no qual a família está emocionalmente empenhada, mas que por agora não tem condições para avançar.
“Se fizéssemos aquele investimento, com as contas todas feitas, não teríamos um por cento de rendimento”, revela Nuno Almeida. “Estas contas foram feitas há um mês. Reunimos com arquitetos e engenheiros durante uma tarde inteira e quando chegamos a estes valores, pensamos que não vale a pena, pelo menos para já”.
É neste contexto que surge a imagem do colete de forças. Mesmo com vontade, os investidores privados retraem-se perante a procura massiva de famílias cada vez mais desesperadas em busca de casa para viver.
“Temos de ter noção de onde estamos. Não podemos arrendar um T2 pelo mesmo preço de Guimarães ou até Santo Tirso, porque só assim seria rentável. Se amanhã nos dissessem que estávamos libertos desse imposto, a obra começava logo. Agora, nesta situação, corremos o risco não só de não ganhar, como perder. Basta alguém não pagar dois meses ou sair e deixar o apartamento em mau estado”, realçou.
Esta encruzilhada estende-se à construção para venda, onde a família Almeida tem uma grande palavra a dizer no que diz respeito ao crescimento futuro de Vila das Aves. Como é de conhecimento público, está pensado e aprovado um novo prédio no Bom Nome, no antigo terreno do estaleiro da EngiAves, para enquadrar com o já existente, onde se encontra a Caixa Geral de Depósitos. Um projeto avaliado em 5 milhões de euros para a construção de um bloco de 36 apartamentos, que representa apenas um quarto do investimento total que os terrenos naquela zona podem suportar.
O problema volta a ser os custos da construção e a rentabilidade dos projetos. “Já tivemos reuniões com cinco arquitetos diferentes com propostas distintas, mas chegamos ao fim e dá tudo prejuízo. Ou então, temos de vender a valores do Porto”, lamenta Nuno Almeida.
Numa zona vital para o crescimento e afirmação de Vila das Aves como uma vila de características urbanas e com qualidade de vida acima da média, qualquer investimento que seja pensado para aquele local, terá de ser cuidado, quanto mais não seja para proteger e fazer valer o nome e o legado da família. Enquanto tal não for possível com garantias de sustentabilidade, ficará em banho-maria.
“Já tivemos reuniões com cinco arquitetos diferentes com propostas distintas, mas chegamos ao fim e dá tudo prejuízo, ou então, temos de vender a valores do Porto”
Incentivos do Estado são poucos
Mesmo com a especial atenção com que o Governo está a tratar a problemática da habitação, as reservas dos agentes do setor são muitas sobre o que é ou não possível fazer, sobretudo quando se falam dos incentivos, que dizem ser “escassos” e “pouco eficazes”.
“No que toca ao arrendamento, os incentivos que há são poucos”, diz prontamente Susana Almeida. “O problema do AIMI é que é um imposto que não tira votos, dá muito dinheiro e, portanto, nunca vai deixar de existir. No entanto, se o Estado quiser ajudar a resolver o problema de habitação tem de criar um mecanismo para os senhorios”.
De acordo com a gestora, o único apoio que o Estado concede no que diz respeito à construção para arrendamento é a isenção de IMI e AIMI nos primeiros seis anos. Isto, se for sempre o mesmo inquilino, porque caso altere, a isenção perde-se. O que é manifestamente pouco.
Até na ótica do arrendatário, os programas do Estado pecam por falta de alcance. O programa “Porta 65” para apoiar o arrendamento jovem fica aquém daquele que é o apoio do Subsídio Municipal de Arrendamento da Câmara de Santo Tirso, para citar um caso específico.
E mesmo quanto ao incentivo por parte do Governo para a compra e/ou construção de habitação por parte das autarquias para arrendamento acessível, Susana Almeida aponta uma fragilidade evidente: “não há casas”.
Pegue-se no caso do concelho de Santo Tirso, ou Vila das Aves especificamente. “Onde estão as casas disponíveis para a Câmara comprar e colocar no mercado de arrendamento? Não há”, assevera.
Mais um fator que contribuiu para o presente colete de forças. Só construindo de raiz, o que mesmo assim presume a existência de terrenos municipais preparados para acolher esses investimentos, algo que também praticamente não existe.
“Para nós, enquanto família, é desgosto muito grande não fazer”, sublinha Susana Almeida. “É frustrante termos a oportunidade, mas percebermos que não dá. Podemos dar as voltas que quisermos, mas verdadeiramente, nos últimos anos, o crescimento dos custos da construção impede que se avance. Durante dez anos, fez-se pouco por umas razões, agora continua a não se fazer, mas por outras, completamente diferentes. Tudo contribuiu para haver este desânimo”.
Enquanto, as ideias ficam no papel, há uma geração que vai continuar a ver o direito a ter uma casa como uma miragem distante e distorcida.