A influência dos líderes religiosos está de volta à cena política mundial. A recente proximidade que vários chefes de estado conservadores têm com os líderes religiosos dos seus países, sobretudo do continente americano, do Médio Oriente, da Ásia Meridional e da Rússia, até há pouco tempo, não eram nem muito expectáveis, nem muito respeitáveis. Contudo, já não é assim e hoje são forças que influenciam o nosso dia-a-dia, já que controlam uma boa parte da economia mundial e o destino de biliões de pessoas.
Ver Jair Bolsonaro, um presidente de um país laico, num palco, rodeado de pastores evangélicos e/ou neopentecostais que erguem as mãos em torno da sua cabeça, orando pela sua vitória eleitoral, choca até muitos conservadores cristãos do velho continente. Contudo, esta proximidade do anterior executivo de Brasília com igrejas e seitas protestantes proprietárias de milhares de meios de comunicação social, não é só uma criação do “país abençoado por Deus”. No entender de muitos, também é resultado de inúmeras missões e bolsas de estudo pagas por fundações evangélicas norte-americanas que operam, cada vez mais, no centro e sul da América. Aliás, possuem colégios, liceus e universidades da Patagónia ao Canadá. Muitas destas instituições estão ligadas às forças que conseguiram a eleição de Trump, que teve nelas ótimos parceiros para a implementação das suas políticas neoliberais. Até agora, cada passo que o bolsonarismo deu, repetiu apenas os caminhos do trumpismo.
Noutro país de constituição laica, a Índia, em diversos estados governados pelo Partido do Povo Indiano, de ideologia nacionalista hindu, o mesmo partido do primeiro-ministro Narendra Modi, atenta-se, diariamente, contra as minorias muçulmanas. Modi, também não se imiscui de decretar leis que excluem até do direito à cidadania, os seus 200 milhões de compatriotas muçulmanos.
“Infelizmente, em muitas das decisões, os governantes do mundo estão cada vez mais ombreados por líderes religiosos que não hesitam em apelar a uma guerra santa para manter a hegemonia do seu poder”
Num modo mais clássico das relações entre Estado e a Igreja, e dando continuidade ao modelo caraterístico dos antigos impérios dos monarcas europeus e asiáticos, no atual cenário da Guerra da Ucrânia, a Rússia adotou um estilo quási imperial. Para indignação de muitos dos ucranianos (70% professam na Igreja Ortodoxa Russa), as ambições territoriais de Putin têm como cúmplice Kirill, o Patriarca de Moscovo e Primaz da Igreja Ortodoxa do seu país.
Simultaneamente, em Ancara, Recep Erdogan, presidente do único país muçulmano que ainda é laico, destrói cada vez mais o secularismo, aproximando-se rapidamente do rumo dos estados confessionais do islamismo. Destes, existem vários sistemas diferentes, como as ditaduras teocráticas salafitas da Arábia Saudita e do Qatar. Os seus petrodólares encantam muitos ocidentais, devido aos ferraris das suas ruas e às obras faustosas das mansões e centros comerciais, onde se encontram maquinetas automáticas que vendem barras de ouro. Outras versões teocráticas da região, mas mais pobres em petrodólares, são o Irão e o Afeganistão, demonizados por estarem do lado errado da geoestratégia ocidental. Todos partilham graves infrações aos Direitos Humanos e à liberdade de imprensa.
Desses exemplos do Médio Oriente, relembremos também Israel, que proíbe os seus cidadãos de casar com pessoas que não confessam o judaísmo e que são naturais de países inimigos. Na realidade, serve para discriminar os habitantes islâmicos da Palestina, país que Israel ocupa há sete décadas.
Infelizmente, em muitas das decisões, os governantes do mundo estão cada vez mais ombreados por líderes religiosos que não hesitam em apelar a uma guerra santa para manter a hegemonia do seu poder. Mesmo até alguns políticos que cresceram em países que conhecem a mais-valia da liberdade religiosa e do laicismo, evocam, ao desbarato, que Deus está do seu lado, promovendo o discurso radical, o rancor e a intolerância, fazendo tábua rasa da história da fraternidade democrática entre diversas crenças e ideologias políticas. Demonstram falta de sentido de Estado, de argumentação crítica e de uma espinha dorsal do pensamento político. Caso a história se repita, a curto/médio prazo, todos sabemos que, se necessário, estes atores da religiosidade irão abençoar ataques a mais um qualquer país que vire bode expiatório.