Em que interesses é que gestores/administradores realizam o seu trabalho nas empresas públicas sob a tutela do atual governo do PS, bem como dos governos anteriores do PSD/CDS? Esta é uma questão fundamental que passou despercebida nas infindáveis horas de discussão mediática sobre o processo relativo à indemnização de 500 mil euros paga pela TAP a Alexandra Reis, ex-secretária de Estado do Tesouro.
Ao longo dos anos, o PCP reafirmou que o controlo público dos sectores estratégicos é condição indispensável para um país soberano e desenvolvido, mas insuficiente, pois a gestão pública também pode ser um instrumento ao serviço dos grandes grupos económicos.
A atual gestão da TAP é disso exemplo. Depois dos efeitos da pandemia obrigarem o Governo a retomar o controlo sobre a TAP, com a saída dos dois acionistas privados, logo começou o processo imposto por Bruxelas e aceite pelo PS, de reestruturação da companhia com a perspetiva da sua venda a uma das três companhias europeias – Lufthansa, Air France/KLM, Iberia/British. O caminho delineado no referido plano de reestruturação é apresentado como necessário, no linguajar dissimulado tecnocrata, para reforçar as “condições de atratividade do negócio”. O que trocado por miúdos significa financiamento público para destruição de centenas de postos de trabalho, redução de salários, diminuição da operação da companhia e saneamento da dívida (com origem na negociata ruinosa com a Ex-VEM) para futura venda.
“Mais do que discussões morais e éticas sobre esta ou aquela personagem, o que importa ultrapassar definitivamente são as opções políticas que subordinam gestão de empresas públicas a critérios puramente lucrativos”
Se o Governo do PS apoia uma estratégia em que postos de trabalho e rendimentos dos trabalhadores são percebidos como uma espécie de empecilho ao processo de privatização, não surpreende a decisão de premiar quem a executa com distinção, merecendo inclusive nomeação para o Governo, como acabou por suceder com Alexandra Reis, que esteve encarregue de executar tal reestruturação (enquanto administradora da TAP). E se tal gestora foi recompensada com o pagamento de uma indemnização choruda após saída da TAP, em contraste com a generalidade dos trabalhadores (cujas indemnizações foram reduzidas), não surpreende que tal facto tenha sido desvalorizado por quem se passeia entre portas giratórias por empresas públicas, entidades reguladoras e grandes empresas, mimetizando a lógica arbitrária e obscena que assegura disparidades salariais em que gestores de topo ganham 30, 50, 100 e até 200 vezes mais do que o salário de base dos trabalhadores que dirigem.
De modo que mais do que discussões morais e éticas sobre esta ou aquela personagem, o que importa ultrapassar definitivamente são as opções políticas que subordinam a gestão de empresas públicas a critérios puramente lucrativos, indissociáveis da prática corrente de grandes empresas privadas, e que abrem as portas à precarização do trabalho, ao grande capital estrangeiro e ao aprofundamento da concentração monopolista.
Os sectores estratégicos da economia – inclusive o sector empresarial do Estado – devem ser recolocados ao serviço do povo e do país, apostando-se em políticas de desenvolvimento económico, de incremento da produção, de resposta a problemas sociais candentes, valorizando-se o trabalho e revertendo-se as desigualdades salariais existentes, quer seja no público ou privado. Esse caminho não é feito com mudanças de membros no Governo ao mesmo ritmo que as águas avançaram pelas ruas do Porto no passado fim-de-semana, mas com uma alternativa política de fundo, que está nas mãos dos trabalhadores e do povo construir.