[Opinião] Tudo o que é demais, é demais

Ana Isabel Silva CRÓNICAS/OPINIÃO

Nos últimos tempos, o debate público tem sido marcado pelo tema da inflação. A subida acentuada do nível geral de preços tem impacto direto nas nossas carteiras. A inflação conduziu a uma escalada dos preços da energia, produzindo um efeito de arrasto nos preços dos bens alimentares. Além disso, a subida dos preços do petróleo fez aumentar os preços do gasóleo e da gasolina, tendo, como consequência, uma enorme diminuição do poder de compra da maioria das pessoas em Portugal.

Na tentativa de colmatar a subida de preços, vários governos anunciaram apoios extraordinários às famílias e às empresas. O governo português foi dos últimos a anunciá-las, tendo ficado, infelizmente, aquém daquilo que é necessário para combater efetivamente as necessidades do momento atual e até aquém do que está a ser implementado por outros governos e do que é recomendado pela União Europeia.

Ursula Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, propôs limites aos lucros das empresas do setor do petróleo, gás, carvão e refinarias, afirmando que os lucros devem ser canalizados para aqueles que mais precisam. No entanto, esta tributação dos lucros extraordinários tem sido, de forma incompreensível, sistematicamente rejeitada pelo governo português.

Convém compreender, então, em que consistem estes lucros extraordinários. Há vários setores que têm lucrado com esta crise. O facto de o mercado energético se encontrar dominado por um conjunto de grandes empresas permite-lhes aproveitar o atual contexto para incrementar as margens de lucro. Ora, as principais empresas de energia têm registado lucros astronómicos nos últimos meses. Em Portugal, a GALP viu os seus lucros aumentar 153 % nos primeiros seis meses do ano, o que corresponde a um lucro extraordinário de 422 milhões de euros. No setor da grande distribuição, as grandes cadeias também têm registado lucros extraordinários à boleia da subida dos preços dos bens alimentares. Os lucros da Sonae (dona do Continente) duplicaram no primeiro semestre de 2022, perfazendo os 118 milhões de euros.

Não há fórmulas mágicas para travar o aumento dos preços. No entanto, há várias medidas que o governo pode adotar. Caso fosse o Estado Português a deter empresas estratégicas no setor da energia (e não o Estado Chinês) poderia implementar tarifas mais baixas para as famílias, sendo o custo da energia um dos encargos mais pesados para as empresas.

Sem estas empresas estratégicas, o Estado deve optar por outras soluções. É essencial controlar as margens de lucro daquelas que estão a enriquecer com a crise. Não é algo inédito: durante a pandemia assistimos à regulação das margens de lucro das empresas que tentavam inflacionar os preços das máscaras ou do álcool-gel.

O que o Bloco de Esquerda tem defendido é a tributação dos lucros extraordinários. Para além de repor alguma justiça social, estas receitas ajudariam a mitigar os efeitos da crise, permitindo financiar apoios e aumentos salariais das pessoas que estão a perder poder de compra. Esta medida serviria como penalização para que as empresas não pratiquem preços especulativos.

No entanto, a maioria absoluta do Partido Socialista tem-se recusado e o PSD também é contra, defendendo até que Portugal deve influenciar a União Europeia a não a implementar. Para proteger os lucros exorbitantes das empresas, o Estado está disposto a abandonar as famílias. Por isso dizemos: tudo o que é demais é demais.

Por fim, outra tributação e regulação necessária e urgente é do setor financeiro. O aumento das taxas de juro será, inevitavelmente, um desastre na economia, afetando as famílias portuguesas. A esta medida, proposta pelo Bloco de Esquerda, já se juntaram os governos de Espanha, Grécia, Reino Unido, Itália ou Bélgica. Até quando vai ficar Portugal de fora?

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